Pré-programa de governo do PT empobrece papel da inovação

Por Maurício Tuffani
Marco Aurélio Garcia, Assessor especial da Presidência da República para assuntos internacionais (Imagem: Alan Marques/Folha Press)
Marco Aurélio Garcia, assessor especial da Presidência da República para assuntos internacionais (Imagem: Alan Marques/Folha Press)

O trecho que aborda ciência, tecnologia e inovação na proposta de diretrizes para o programa de governo do PT não deve ter sido devidamente avaliado por especialistas do próprio partido sobre essa área. Motivada pelo objetivo de “incremento da produtividade” da economia brasileira, a diretriz petista para a política nacional de pesquisa e desenvolvimento (P&D) desconsidera a importância da inovação para o aumento da competitividade de produtos e serviços nos mercados interno e externo.

Essa proposta de diretrizes será apresentada em São Paulo na sexta-feira (2.mai), no 14º Encontro Nacional do PT, pelo assessor especial da Presidência da República para assuntos internacionais, Marco Aurélio Garcia, para ser discutida por 800 delegados e lideranças partidárias até o dia seguinte.

À primeira vista, essa concepção simplista de inovação pode parecer um pequeno detalhe em meio aos 99 parágrafos da minuta a ser debatida no encontro do partido. No entanto, ela surpreende por estar em descompasso com as próprias políticas que vêm sendo desenvolvidas pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. Em outras palavras, o tratamento dado pelo menos a esse tema no documento se mostra muito mais como resultado de um processo isolado na definição de diretrizes.

Para não assustar

Antes de apresentar o parágrafo com essa proposta para a política de ciência, tecnologia e inovação (CT&I), é importante ressaltar que ele faz parte do capítulo “Crescimento e aumento da produtividade”, o quinto dos nove que formam o pré-programa”. Conforme seu conteúdo mostrado pela jornalista Vera Rosa em sua reportagem publicada nesta quarta-feira pelo jornal “O Estado de S. Paulo”, a abordagem da política de CT&I vem após as considerações transcritas a seguir.

CRESCIMENTO & AUMENTO DA PRODUTIVIDADE

59. A continuidade e sustentabilidade, no segundo mandato de Dilma Rousseff, da GRANDE TRANSFORMAÇÃO iniciada em 2003, com Lula, terá como meta o crescimento mais acelerado da economia brasileira nos próximos anos. Essa expansão está intimamente ligada, entre outros fatores, ao aumento da produtividade, especialmente no setor industrial, que poderá ser favorecido pelo início do novo ciclo de expansão global.

60. A ampliação e qualificação do mercado interno e a expansão das exportações põem no centro da política econômica a questão da produtividade. Seu incremento não se dará, como querem (e anunciam) os conservadores, pela redução dos salários, em especial do Salário Mínimo; pelo aumento do desemprego, que faça pressão sobre a renda dos trabalhadores; ou por uma “reforma trabalhista” que atente contra direitos laborais e produza a precarização do emprego.

Em outras palavras, muito mais que mostrar o que pretende alcançar com esse “novo ciclo de expansão global” do também pretendido segundo mandato da presidente Dilma Rousseff, o pré-programa de governo do PT enfatiza nesse início de capítulo uma promessa para tranquilizar as bases do partido antes de mencionar a palavra “inovação”. O recado consiste basicamente em avisar a militância petista para não ficar com medo de que uma diretriz de “incremento da produtividade” ponha em risco salários, direitos trabalhistas e empregos.

Incrementar a produtividade

Após descartar a soma de todos esses medos sindicalistas, o pré-programa prossegue com os seguintes tópicos.

61. O incremento da produtividade passa:

62. Pela inovação resultante da aplicação da ciência e da tecnologia aos processos de trabalho. O Governo tem feito sua parte e deverá aumentar seu empenho nessa direção. Mas cabe também à iniciativa privada, sobretudo àqueles setores beneficiados por isenções fiscais e creditícias do Estado, contribuir para esse processo de mudanças dos paradigmas de produção e adensamento das cadeias produtivas de grande escala e fortes efeitos de transbordamentos tecnológicos;

Além de chavões em série, o parágrafo 62 expõe a visão limitada da atividade de pesquisa e desenvolvimento (P&D) do autor ou autores da proposta de diretrizes do PT para seu programa de governo. Nele a inovação é mostrada apenas como meio para atingir os objetivos de aumentar a eficiência dos processos de trabalho para reduzir custos de produção e de fazê-lo sem reduzir salários nem gerar desemprego.

Sem gerar desemprego? Quem pode assegurar que isso não acontecerá com a inovação de processos de produção ou de fornecimento de serviços? (Meu primeiro contato quase pessoal com o impacto de processos inovadores no mundo do trabalho aconteceu quando, ainda adolescente, nos anos 1970, testemunhei o desabafo de um primo, engenheiro civil, de que o escritório de cálculo estrutural onde ele trabalhava estava prestes a fechar porque novas calculadoras eletrônicas haviam passado a realizar em segundos o que ele e seus colegas levavam horas ou até dias para fazer).

Uma garantia como essa talvez seja possível por meio de um poderoso controle estatal das atividades de P&D —o que atualmente só existe na China— ou se for prometida por alguém que não entende ou entende muito pouco sobre o assunto, o que me parece ser mais provável.

Alcance maior

O aperfeiçoamento de processos de trabalho a que se refere o parágrafo 62 é um resultado importante da inovação, mas ela é muito mais que isso. Não é o caso de exigir que um esboço de programa de governo trate o tema com o rigor que há, por exemplo, na seguinte definição adotada pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) em seu “Manual de Frascatti”:

(…) o conjunto de etapas científicas, tecnológicas, organizativas, financeiras e comerciais, incluindo os investimentos em novos conhecimentos, que levam ou que tentam levar à implementação de produtos e de processos novos ou melhorados.

Mas é muito estranho que, nas diretrizes para o programa de governo do partido que está no poder desde 2003, tenha sido completamente desconsiderada a inovação de produtos e serviços. Indissociável da inovação de processos, sua importância tem sido cada vez mais considerada essencial para a competitividade da economia de países mais reinos e também daqueles que estão em crescente aumento de saldos positivos na balança comercial.

Investimento estratégico

Apesar de fazê-lo com foco genérico na política industrial, o pré-programa do PT propõe duas diretrizes necessárias para promover a inovação, a enfatizar a necessidade de “uma consistente redução da burocracia, que entrava a atividade produtiva e o comércio” (parágrafo 68) e de “novas medidas de política econômica nas áreas monetária, cambial e fiscal que desonerem – com claras contrapartidas em matéria de produtividade e emprego – a atividade empresarial” (69).

No entanto, uma formulação responsável de uma proposta de diretriz para inovação tem de considerar o aumento progressivo de recursos públicos e privados para P&D. Justamente por entender que há uma estreita e praticamente direta correlação entre esse tipo de investimento e o aumento da competitividade de suas economias, em 2006, quando aplicaram em média 1,84% de seu PIB total em P&D, os governos dos países da União Europeia incluíram na chamada Estratégia de Lisboa a meta de atingir o nível médio de 3% de dispêndios para o setor.

Apresentada há poucas semanas, a pesquisa bianual “Indicadores de Ciência e Engenharia”, da Fundação Nacional da Ciência dos Estados Unidos, mostra, entre outros dados, resultados que expressam muito bem essa correlação entre investimentos crescentes em P&D e melhor desempenho da economia.

Tabela_NSF_SEI_2012-2014

A ousadia inovadora, porém, tem estado longe nas últimas décadas dos interesses imediatos de formuladores de políticas em posições privilegiadas não só no PT, mas também em outros partidos brasileiros. Veremos como esse tema será tratado em programas de governo a serem antes da próxima eleição presidencial.

Para aqueles que sempre têm na ponta da língua o argumento de que se deve andar de acordo com o tamanho da perna, a melhor resposta é explicar que aumento de investimentos em P&D serve para justamente aumentar o alcance das pernas.