Está de volta mais uma vez a ideia de criar um índice para medir e ajudar a avaliar em cada revista científica as ocorrências de retratações de artigos, sejam elas devidas a erros, plágios ou até fraudes. No final de maio, três cientistas europeus retomaram juntos essa proposta em seu paper “Erros na ciência: o papel dos revisores”, publicado no periódico “Trends in Ecology & Evolution”, editado nos Estados Unidos.
O foco principal da iniciativa está em buscar compreender melhor não só a origem dos problemas em estudos publicados em revistas científicas, mas também em avaliar a atuação dos especialistas que atuam como revisores dos trabalhos antes de eles serem aprovados. Esse processo de “revisão por pares”, mais conhecido pela expressão inglesa “peer review”, tem sido cada vez mais alvo de muitas críticas de pesquisadores em todo o mundo.
“Os revisores desempenham um papel fundamental na ciência, embora estudos sugerem que o atual sistema de revisão por pares tem falhas. Propomo-nos a introduzir um sistema de controle de qualidade para avaliar o processo de avaliação de cada revista, e produzir um Índice de Qualidade da Revisão. Propomos quatro esquemas com potencial para reduzir erros no passo fundamental na tomada de decisão científica que é o processo de revisão.”
É o que afirmam no resumo de seu artigo o húngaro Tamás Székely, professor de biodiversidade na Universidade de Bath, no Reino Unido, e os alemães Oliver Krüger, que pesquisa sociologia e filosofia da religião na Universidade de Freiburg, e E. Tobias Krause, da área de evolução e comportamento animal na Universidade de Bielefeld.
Sucessos e fracassos
Recebi a informação dessa proposta em um post de hoje do blog “Retraction Watch”, que em inglês significa algo como Observatório de Retratações. Sediado nos Estados Unidos, é editado pelo jornalista especializado em ciência Ivan Oransky e pelo anestesiologista Adam Marcus, que em agosto de 2012 já haviam proposto uma ideia semelhante na revista “The Scientist”, na qual afirmaram o seguinte.
“Independentemente das métricas usadas pelos cientistas para classificar seus periódicos, uma das razões pelas quais eles lêem as revistas dos topos dos rankings é o sentido de a que informação delas é confiável. Nós acreditamos, e não estamos sozinhos nisso, que essas publicações se tornarão mais confiáveis se elas estiverem abertas não só sobre seus sucessos, mas também sobre seus fracassos.”
Oransky e Marcus ressaltaram nesse artigo que, por um lado, adotar algo como o Índice de Transparência proposto por eles mostraria nas revistas científicas o compromisso com a alta qualidade dos estudos que elas publicam e que os potenciais fraudadores não são bem-vindos em suas páginas. Por outro lado, segundo os dois blogueiros, a falta de uma atitude transparente só serve para reforçar nos leitores um percepção de incompetência nessas publicações.
“Sistema corrompido”
Uma das reclamações mais contundentes recentemente sobre o “peer review” foi feita no início deste ano por um dos grandes nomes da biologia molecular, o sul-africano Sydney Brenner, de 87 anos, ganhador do Prêmio Nobel de Medicina de 2002.
Numa entrevista à revista eletrônica “The Kings’s Review”, do Reino Unido, além de dizer que as novas ideias na ciência são obstruídas por burocratas do financiamento de pesquisas e por professores que impedem seus alunos de pós-graduação de seguirem suas próprias propostas de investigação, Brenner afirmou que a revisão por pares se tornou “um sistema completamente corrompido”.
Comentei essa entrevista e traduzi alguns trechos dela em meu artigo “Cientistas escravizam pós-graduandos e obstruem a ciência, diz Nobel de Medicina de 2002”. Como eu disse nessa ocasião, Brenner certamente erra ao fazer afirmações genéricas que, em princípio, atingem todos os periódicos e seus editores e que não é possível que toda a produção científica esteja contaminada da forma apontada por ele.
Eu disse também que acusações como essas não podem ser varridas para baixo do tapete. Talvez o melhor caminho seja justamente transcender o enfoque acusatório e partir para propostas com foco na melhoria das revistas, como o Índice de Transparência, de Marcus e Oransky, e o Índice de Qualidade da Revisão, de Székely, Krüger e Krause.