O mistério da quase-morte

Por Maurício Tuffani
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Imagem: Jesse Krauss/Wikimedia Commons

A chamada experiência de quase-morte é muitas vezes mostrada  em filmes com pessoas em coma, mas como se estivessem conscientes e completamente tranquilas. Uma pesquisa publicada no final de maio por cientistas da Bélgica e da França concluiu que essas vivências são muito raras, mas que elas geralmente envolvem essa tranquilidade, a sensação de estar fora do corpo, visões de luzes claras no fim de túneis e lembranças de fatos passados.

Conhecida também pela sigla EQM —de “near-death experience” em inglês—, a experiência de quase-morte pode acontecer quando uma pessoa passa pelo chamado processo de ressuscitação após parada cardíaca e outros tipos tipos de traumas cardiorespitatórios, segundo o estudo coordenado por Vanessa Charland-Verville, neuropsicóloga da Universidade de Liège, na Bélgica, e publicado na revista científica suíça “Frontiers in Neuroscience”.

A pesquisa começou nessa mesma universidade com o neurocientista Steven Laureys, que estuda casos de coma e de estado vegetativo. Depois que alguns pacientes lhe contaram terem vivido EQMs, ele começou a investigar o assunto. Em entrevista à revista britânica “New Scientist”, ele afirmou:

“Continuei a ouvir essas histórias incríveis em minhas consultas. (…) Era impressionante saber como a atividade cerebral anormal acontece durante uma parada ou trauma cardíaco e como eram ricas essas lembranças. Foi muito intrigante.”

Não existem explicações seguras sobre a origem das EQMs. As hipóteses mais comuns são a baixa oxigenação no cérebro ou danos em áreas desse órgão que controlam a emoção, segundo a pesquisa, que se baseou na análise de relatos de 190 experiências desse tipo ocorridas em situações como afogamentos, traumatismos cranianos, paradas cardíacas e outras.

A tranquilidade foi a característica mais frequente, presente em cerca de 90% desses casos, de acordo com o estudo. Apenas dois relatos, menos de 1% do total, foram de experiências marcadamente negativas.

Preconceito

Embora já exista mais aceitação na ciência sobre o assunto, muitos médicos ainda não gostam ou não se sentem à vontade para tratar ou até mesmo de comentar das experiências de quase-morte, mesmo sabendo que elas acontecem. Uma das principais dificuldades está não só no fato de que muitas vezes esse tema é divulgado de forma sensacionalista e sem a menor sustentação científica.

Mas também existe o preconceito de muitos cientistas para tratar de fatos que ainda não tenham explicação conclusiva e possam ser associados a crenças no sobrenatural. Embora muitos médicos possam torcer o nariz para o artigo de Vanessa Charland-Verville e seus colegas, ele faz parte de um total de 527 estudos publicados desde 1920 que estudaram ou pelo menos relataram EQMs, e estão relacionados na base internacional Pubmed, da Biblioteca Nacional de Medicina dos Estados Unidos.

Um dos principais esforços para vencer esse preconceito foi feito pelo cardiologista holandês Pin Van Lommel, que em dezembro de 2001 publicou com mais três colegas na prestigiada revista médica britânica “The Lancet” seu estudo baseado na análise de 344 casos de pacientes que haviam passado por ressuscitação em dez hospitais de de seu país.

O trabalho coordenado por Van Lommel comparou aspectos demográficos, médicos, farmacológicos e psicológicos dos pacientes que relataram EQM e também dos que não o fizeram. Os dois grupos foram reexaminados em duas etapas, em dois e oito anos após a ressuscitação. Do total de 344 casos, 62 pacientes (18%) foram de relatos de EQMs, dos quais 41 (12%) relativos a sensações descritas como experiências fora do corpo, visões de luz em túnel e recordações de momentos felizes com amigos e parentes.

O cardiologista holandês e seus colegas concluíram não ter nenhuma explicação para o fato de que foram poucos os pacientes que relataram EQMs após ressuscitação cardiopulmonar. Suas palavras finais no artigo foram as seguintes.

“A pesquisa deve ser concentrada no esforço de explicar cientificamente a ocorrência e o conteúdo das EQMs. A investigação deve ter foco em certos elementos da EQM, tais como experiências fora do corpo e outros aspectos verificáveis. Finalmente, a teoria e o conhecimento sobre a transcendência deve ser incluídas como partes de um quadro explicativo para essas experiências.”

Sensacionalismo

Essa menção a “transcendência” foi um dos principais pontos de apoio para pesadas críticas por parte de cientistas e divulgadores de ciência a esse trabalho.Na minha opinião, muitas dessas reações foram mais motivadas pelo preconceito acima mencionado do que por qualquer esforço de tentar entender o foco do estudo.

Van Lommel respondeu devidamente a esses ataques. Depois disso, ele escreveu o best-seller “Consciência além da Vida” (2007) e passou a divulgar o assunto com uma abordagem um tanto midiática, dando munição não só para as abordagens místicas em torno do assunto, mas também para seus críticos.

Em vez de considerações “além da vida”, prefiro a opinião de Groucho Marx (1890-1977), que ele manifestou aos 83 anos, em 1973, em sua última atuação na televisão. O ator e comediante Bill Cosby lhe perguntou em um talk show se ele acreditava em vida após a morte. Groucho respondeu: “Eu tenho sérias dúvidas sobre a vida antes da morte. Eu acredito em morte durante a vida”.