Estou para ver um material de divulgação de um órgão público que seja mais enganador que a imagem publicada diariamente no site da Sabesp (Companhia de Saneamento Básico de São Paulo) com o título “Gráfico de volume do Sistema Cantareira”. Se não fosse o trabalho que vem sendo realizado pela imprensa, todas as pessoas que hoje consultam a página “Situação dos Mananciais”, entenderiam erroneamente que a quantidade de água armazenada nesta data é maior que o dobro do que havia há dois meses, em 15 de maio, quando começou a funcionar o bomeamento do chamado volume morto de duas das quatro represas desse sistema. Vejam só:
Fonte: Sabesp, “Situação dos Mananciais”
O que se entende a partir desse gráfico, sem nenhuma informação adicional, é que o volume útil que havia em 15 de maio não zerou. Já seria, portanto, uma lamentável desinformação, principalmente neste momento em que é necessária a mobilização pela economia no consumo de água. No entanto, o texto apresentado na sequência dessa imagem acaba por reforçar ainda mais o engano. Aqui vai:
“Com a entrada de 182,5 bilhões de litros de água da reserva técnica do Sistema Cantareira em 16/05/2014, foram acrescidos 18,5% sobre o volume total do sistema (982,07 bilhões de litros).”
Há quase dois meses expliquei neste blog como o uso desses percentuais já começou confundindo em vez de informar corretamente. Também houve reportagens sobre isso na Folha e em outros veículos da imprensa. Não vou contar essa história de novo e “chover no molhado”, até porque praticamente não chove e secura é o que não falta. Toda essa confusão está explicada no post “Os três percentuais do sistema Cantareira” (21.mai).
É preciso parar de usar esses percentuais enganadores e apresentar de modo simples e sem desinformação a situação real. Não existe uma única forma de fazê-lo, mas aqui vai uma que é possível.
Os números da barra à direita se baseiam no gráfico apresentado pela própria Sabesp em seu site hoje. Os 49 milhões de metros cúbicos já consumidos correspondem a 5% —diferença entre os 18,5% originais e os 18,0% de agora— dos mesmos 982,07 milhões que constam no texto acima copiado como sendo o volume útil total do sistema. Os 133,5 milhões de metros cúbicos restantes são a diferença entre os 182,5 milhões da reserva em 15 de maio e esses 49 milhões já consumidos.
Divergência de dados
O problema é que, como sempre desde maio, os percentuais apresentados Sabesp não coincidem com os do comitê anticrise integrado por representantes da ANA (Agência Nacional de Águas), do DAEE (Departamento de Águas e Energia Elétrica do Estado), da Sabesp e dos comitê das bacias do Alto Tietê e do PCJ (dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí). No relatório de hoje desse grupo o volume já consumido é “um pouco” maior, 52,8 milhões de metros cúbicos.
Além desse conflito de dados entre a Sabesp e o comitê, que expliquei em 21 de maio, há também uma divergência sobre a própria capacidade total dessa reserva, como expliquei em outro post, “O morto da discórdia do sistema Cantareira” (23.mai). Segundo a estatal paulista, o volume morto total do sistema Cantareira seria de 400 milhões de metros cúbicos redondinhos, e não os 510 milhões que constam desde 28 de fevereiro nos boletins diários do comitê, segundo o qual a situação em 15 de maio, quando começou o bombeamento, correspondia à figura a seguir.
Questionada sobre isso naqueles dias, a Sabesp respondeu que não iria tratar por meio da imprensa sobre isso e que o assunto seria resolvido em reunião com o GTAG. Mas o conflito de dados continua.
Enfim, é muito estranha essa forma de divulgação, que no final das contas, não passa de um arranjo dos dados que têm sido informados pela imprensa. Daria um bom estudo de caso para pesquisadores da área de comunicação. A conclusão mais plausível é que se tentou evitar de veicular alguma imagem que possa ser usada como munição contra o PSDB por adversários políticos nas próximas eleições. Certamente não pelo PT, pois o governo federal, por meio da ANA, também tem sua responsabilidade na administração da bacia do PCJ.
Tomara que esse filme não venha a ter um remake se a reserva em uso acabar antes de chegarem as chuvas e tiverem de ser bombeadas águas das partes mais fundas do volume morto.