Mudança climática e jornalismo investigativo

Por Maurício Tuffani
Aquecimento dos mares derrete as plataformas glaciares em torno da Antártida, segundo estudo da Nasa. Imagem: Nasa/GSFC/Jefferson Beck
Imagem de estudo da Nasa sobre o efeito do aquecimento dos mares nas plataformas glaciares em torno da Antártida. Imagem: Nasa/GSFC/Jefferson Beck

Mesmo que nos próximos anos seja possível o acordo internacional sobre o clima, será difícil ele ter força para assegurar as medidas de controle das emissões de gases-estufa para evitar que a temperatura média global aumente de 1,8ºC a 4ºC até o ano de 2100, previstas no Protocolo de Quioto, de dezembro de 1997. Essa foi a conclusão do debate “Estamos perto de um acordo global sobre o clima?”, no qual participei como mediador ontem (quinta-feira, 24.jul) no 9º Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo, em São Paulo.

A atuação da imprensa ao tratar da mudança climática foi também um dos pontos principais da discussão entre Daniela Chiaretti, jornalista especializada em meio ambiente e repórter especial do “Valor Econômico”, Paulo Artaxo, do Laboratório de Física Atmosférica do Instituto de Física da USP, e Sérgio Abranches, sociólogo, cientista político, escritor e comentarista da rádio CBN.

Foi muito boa a escolha dos três palestrantes pela Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo), organizadora do congresso. Os pontos de divergência entre os três levaram a uma vigorosa troca de opiniões, com uma boa retomada das apresentações.

Governabilidade

O desafio maior, a governabilidade global, foi destacado por Artaxo, que é membro do IPCC (Painel Intergovernamental de Mudança Climática das Nações Unidas) e de outros sete painéis científicos internacionais. “A ONU não tem poder para obrigar os países a cumprirem o que é acordado”, afirmou.

Artaxo, que já trabalhou no Centro de Pesquisas Woods Hole da Nasa (EUA) e nas universidades de Antuérpia (Bélgica), Lund (Suécia) e Harvard (EUA), afirmou que em função da necessidade de “mostrar o outro lado”, muitos veículos de comunicação têm equivocadamente feito a contraposição das conclusões do IPCC a opiniões contrárias sem fundamentação científica. E destacou a necessidade de a imprensa verificar nesse e em outros temas científicos se há respaldo em estudos publicados em revistas científicas com comitês editoriais independentes e que só aceitam artigos após revisão por pares (peer review).

Conservadorismo

Abranches concordou com a crítica de Artaxo aos negacionistas da mudança climática que se autodefinem indevidamente como “céticos”. Dos três palestrantes, ele foi o que se mostrou menos confiante com a possibilidade de acordo nos próximos anos. “O acordo sempre será aquém das necessidades”, disse. Mestre em sociologia pela Universidade de Brasília e doutor em Ciência Política pela Universidade Cornell (EUA), ele ressaltou a dinâmica conservadora de negociações internacionais.

Assim como Daniela e Artaxo, Abranches observou que houve uma queda no espaço dado pela imprensa às ações e negociações necessárias para reduzir as emissões de gases-estufa, mas destacou que a cobertura jornalística da economia, especialmente em relação às commodities agrícolas, passou a ser muito influenciada por fatores ambientais devido aos efeitos sobre as safras.

Diplomacia

Daniela observou que a atuação da diplomacia dos Estados Unidos foi sistemática para impedir consensos nas COPs (conferências das partes) da Convenção-quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, principalmente se com eles e a Europa não estivessem alinhados a China e os países emergentes. Ela esteve em quase todas esses encontros internacionais e também na Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Rio-92 (que aqui em São Paulo muitos teimam em chamar de Eco-92).

Por outro lado, a jornalista destacou o empenho com a prevenção da mudança climática pelo governo do presidente Barack Obama, observando que, no plano doméstico, a EPA (Agência de Proteção Ambiental dos EUA) passou a ter mais poder para atuar na regulação das emissões de gases-estufa.

No que diz respeito à cobertura pela imprensa, Daniela enfatizou que esse e outros temas ambientais podem ser abordados não só por editorias de meio ambiente, mas também por outras, como economia e ciência. E chamou a atenção para um tema a ser bem explorado no âmbito da mudança climática, a adaptação nos planos econômico, social e ambiental às alterações climáticas, proporcionando não só moderar impactos, mas também buscar oportunidades. Como exemplo bem na linha “a vida como ela é”, a repórter citou o caso de uma mulher que criava galinhas em Bangladesh que passou a ter mais inundações e passou a criar patos.

Amanhã

Presentes ao debate, participaram também das discussões os jornalistas Vladimir Leitão Netto, da TV Globo em Brasília, e Afra Balazina, da Fundação SOS Mata Atlântica, e a socióloga Paula Johns, da Associação para Controle do Tabagismo.

Amanhã (sábado, 26), às 9h, terei a satisfação de moderar outro debate, “Economia, sociedade e crise da biodiversidade”, com o economista Sérgio Besserman, professor da PUC-RJ e ex-presidente do IBGE, e o jornalista André Trigueiro, da TV Globo no Rio de Janeiro.