A noção de elite na recente declaração de Marina Silva, candidata do PSB à Presidência da República, que teve grande repercussão, merece uma analogia com o que o filósofo espanhol José Ortega y Gasset (1883-1955) chamou de minoria em seu livro “A Rebelião das Massas”, de 1930.
Marina criticou a forma como que foi usado o termo “elite” nas acusações à sua candidatura baseadas no fato de a coordenadora de seu programa de governo ser uma herdeira do grupo Itaú, a socióloga Maria Alice Setúbal, conhecida como Neca Setúbal. Em um debate na televisão no dia 25, a candidata do PSB disse que, pelas ideias que representam, tanto sua coordenadora como Chico Mendes fazem parte da elite.
Repetição
Na repercussão dessa fala e das críticas a ela foi lembrada uma outra declaração da candidata sobre o mesmo assunto, de julho de 2010, quando concorreu pelo PV ao mesmo cargo que hoje disputa. Na ocasião, ela exemplificou como homem de elite, também em comparação com Chico Mendes, o empresário Guilherme Leal, do grupo Natura, que participou como candidato a vice-presidente na sua chapa.
“Discordo dessa coisa que a gente é levado a fazer, de elite contra não sei quem. Nosso problema não é a elite, é a falta da elite. Sabe por quê? Porque a elite pensa estrategicamente. A elite é o pescador que entende do mar, sabe botar sua jangada e entender os mistérios dos ventos e das ondas. Esse é um homem de elite.”
(…)
“A elite pensa estrategicamente, a elite negocia, concede. Agora, a visão oligárquica, atrasada, não é capaz de conceder, não é capaz de negociar e faz com que esse Nordeste brasileiro continue na pobreza e na miséria como está até hoje.” (“Marina Silva diz que problema do Brasil é a ‘falta da elite'”, “O Globo”, 30.jul.2010).
Abstenho-me de prolongar o assunto com conceitos de elite formulados nas ciências sociais a partir dos trabalhos de Vilfredo Paretto (1848-1923) e Gaetano Mosca (1858-1941). De um modo geral, o significado sociológico do termo é o de uma minoria que detém prestígio e poder em um grupo social e é formada pelos indivíduos mais poderosos ou, conforme a corrente de pensamento, mais capacitados.
Fora do âmbito sociológico, elite tem também o significado de “o que há de melhor em uma sociedade ou num grupo; nata, flor, fina flor, escol”, segundo o dicionário “Aurélio”, e “o que há de mais valorizado e de melhor qualidade, esp[ecialmente] em um grupo social”, de acordo com o “Houaiss”.
Massa versus minoria
O que Marina chama de elite parece ser mais próximo do que Ortega y Gasset denominou “minoria” em oposição a “massa”. Aqui vão alguns trechos do seu livro.*
“A massa é o conjunto de pessoas não especialmente qualificadas. Portanto, não se deve entender massa apenas, nem principalmente, as ‘massas trabalhadoras’. Massa é o homem médio. (…) Para formar uma minoria, seja qual for, é preciso que antes cada um se distinga da multidão por razões especiais, relativamente individuais.” (pág. 48)
“Diante de uma só pessoa, podemos saber se ela é de massa ou não. Massa é todo aquele que não valoriza a si mesmo —por bem ou por mal— por razões especiais, mas que se sente ‘como todo mundo’ e, sem dúvida, não se angustia por isso, sente-se bem por se sentir idêntico aos demais. (…) o homem seleto não é o petulante que acredita ser superior aos demais, mas aquele que se exige mais que os outros, ainda que não consiga cumprir pessoalmente essas exigências superiores.” (pág. 49)
Ressentimento
No final das contas, o motivo de toda a repercussão em torno desse assunto está no comportamento associado àquilo que o filósofo alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900) denominou moral do escravo, em oposição à moral de senhor, que já comentei neste blog no post “As elites e a moral do ressentimento” (19.jun).
Os indivíduos que Ortega y Gasset considera como minoria não correspondem exatamente à moral de senhor. Mas aqueles que ele chama de massa têm muito a ver com a moral de escravo gerada apontada por Nietzsche e que, alimentada pelo ressentimento, está presente no recorrente apelo pejorativo às elites.
*José Ortega y Gasset, “La Rebelión de las Masas”, Alianza Editorial, Madrid, 2001, 294 págs.