Na edição de hoje da Folha, na reportagem “Oito visões sobre a crise da USP”, traz opiniões de professores dessa instituição. Entre eles, o físico e ex-reitor José Goldemberg, que expôs a fragilidade —na verdade, o vício de origem— do modelo de autonomia estabelecido há 25 anos pelo governador Orestes Quércia (1987-1991) para essa universidade e também para a Unesp e Unicamp: a falta de um limite máximo no orçamento para despesas com pessoal.
Goldemberg afirma se arrepender “amargamente” por não ter atuado, durante seu mandato (1986-1990), para fazer com que Quércia tivesse fixado o teto de 75% do orçamento de cada uma das três universidades estaduais paulista para folha de pagamento no decreto de 2 de fevereiro de 1989 que estabeleceu para essas instituições não só um percentual fixo sobre a arrecadação do ICMS, mas também o respectivo repasse mensal.
Responsabilidade
Até hoje, em todo o Brasil, esse decreto foi a única medida que disciplinou no plano da gestão financeira a autonomia prevista para as universidades no artigo 207 da Constituição Federal de 1988. Nina Ranieri, professora da Faculdade de Direito da USP, cuja opinião também foi mostrada hoje nessa mesma matéria da Folha, interpretou esse dispositivo em seu estudo publicado em 2005 “Aspectos jurídicos da autonomia universitária no Brasil“:
“O art. 207 da Constituição Federal, por sua vez, indica com precisão as esferas de atuação autônoma das universidades — didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial —, visando assegurar o cometimento de funções sociais específicas concernentes ao interesse geral, que podem ser sintetizadas no conhecido trinômio ensino/pesquisa/extensão. Do ponto de vista jurídico, é apenas e tão-somente em razão desse objetivo que a Universidade é autônoma e que, em função do mesmo, a autonomia deve ser exercida de forma responsável, eficiente e adequada aos objetivos nacionais e às referências socioculturais, econômicas e políticas da sociedade na qual se insere.”
Em outras palavras, a professora da USP, que é especialista em direito público e direito da educação, destaca que o imperativo constitucional da autonomia didático-científica é indissociável dos aspectos administrativo, financeiro e orçamentário. Mas ela ressalta também que essa determinação constitucional tem como contrapartida a responsabilidade não só pela oferta de ensino de qualidade e por bom desempenho na pesquisa e na extensão de serviços à comunidade, mas também pela gestão eficiente de pessoal e de recursos orçamentários e financeiros.
“A compreensão da garantia constitucional nesse nível, entretanto, não está enraizada na tradição educacional brasileira. E a experiência tem demonstrado que a autonomia universitária, quando mal compreendida, reforça a tutela estatal, a irresponsabilidade institucional e os traços corporativos internos nas universidades, em detrimento das finalidades que devem alcançar.”
Depois de passar por outras situações de comprometimento crítico de seus orçamentos com gastos de folha de pagamento, Unesp, Unicamp e USP decidiram assumir verdadeiramente essa responsabilidade em 2005. Naquele ano, as três universidades começaram a atuar pela primeira vez em efetiva sintonia para reduzir o patamar de 90%, que ameaçava pesadas restrições para custeios e investimentos nos anos seguintes, como já destaquei neste blog em post de 26 de maio.
Controle
Esse trabalho foi feito por meio do Cruesp (Conselho de Reitores das Universidades Estaduais Paulistas). Desde o início da autonomia, em 1989, esse conselho passou a ser a instância de entendimento entre as reitorias e os sindicatos de professores e servidores técnico-administrativos.
Graças a esse esforço, que não se limitou às negociações salariais e abrangeu também programas de racionalização de despesas, as três instituições conseguiram baixar significativamente esse nível de comprometimento e mantê-lo sob controle até 2010.
Mas, como mostra a tabela a seguir, a tendência ao aumento retornou em 2011, que foi o primeiro da gestão do reitor João Grandino Rodas, iniciada em dezembro desse mesmo ano.
Como expliquei no citado post de 26 de maio, o comprometimento da dotação orçamentária da USP com salários foi acelerado na gestão de Rodas, a começar por reajustes de benefícios antes das negociações nos períodos de dissídios salariais e sem a participação no Cruesp.
A atuação isolada de Rodas foi o primeiro passo para a ruína do trabalho conjunto que vinha sendo realizado pelo Cruesp. Por sua vez, os dirigentes da Unesp e da Unicamp nada fizeram para impedir o esfacelamento desse esforço, pelo menos publicamente.
Qualquer que seja a saída a ser adotada para resolver a atual situação de insolvência, não há como evitar a fixação do limite para gastos com folha de pagamento.