Muitas das instituições científicas em todo o mundo, inclusive universidades, intensificaram sua divulgação de notícias sobre pesquisas e novidades de seus trabalhos. Um artigo publicado na segunda-feira (22.set) na revista eletrônica “JCOM” (“Journal of Science Communication”) discute se esse trabalho dessas instituições consiste em uma atividade de divulgação científica ou de relações públicas.
Em outras palavras, o que o paper questiona é se as notícias produzidas por institutos de pesquisa para ao público em geral têm como objetivo principal divulgar a ciência ou fazer o marketing dessas instituições, servindo ao seu trabalho de captação de recursos ou de promoção de imagem em sua disputa por prestígio.
A pergunta pode parecer supérflua, uma vez que esse tipo de material informativo sempre cumpre a função de informar novidades da ciência, independentemente de qual seja o objetivo de produzi-lo. Na verdade, a coisa não é simples assim, como mostra o resumo do artigo, escrito por Rebecca Bru Carver, assessora de comunicação do Instituto Norueguês de Saúde Pública, que atualmente está em Salvador, na UFBA (Universidade Federal da Bahia), cumprindo estágio de pós-doutorado.
“Há uma competição crescente entre institutos e universidades mantidas com recursos públicos para atrair funcionários, estudantes, financiamentos e parceiros para a investigação científica. Como resultado, houve maior ênfase em atividades de divulgação científica em institutos de pesquisa ao longo da última década. Mas essas instituições estão comunicando a ciência simplesmente para melhorar sua imagem? Neste conjunto de comentários, exploramos a relação entre as atividades de comunicação científica e relações públicas (RP), numa tentativa de esclarecer o que os institutos de pesquisa estão realmente fazendo. A opinião geral dos autores é que atividades de divulgação científica são quase sempre uma forma de RP. O press release ainda é a ferramenta de comunicação de ciência e RP mais popular. Há, porém, divergências sobre a utilidade do press release e se é realmente bom para a ciência ele ganhar ou não a atenção do público.”
Limites
De minha parte, não tenho nada contra a divulgação científica de institutos de pesquisa e universidades cumprir também com objetivos de divulgação institucional. Mas entendo que essa atividade pode ser distorcida quando profissionais de comunicação ou dirigentes dessas instituições não têm clareza dessa distinção, perdendo a noção de seus limites e caindo no vale-tudo no qual os fins sempre justificam os meios.
Um triste exemplo da subordinação desenfreada da divulgação científica a objetivos de RP na disputa por visibilidade pública e recursos foi a comunicação praticada a partir de meados dos anos 1990 pelo Projeto Genoma Humano e seu concorrente privado, o grupo Celera Genomics. Escrevi a respeito disso em um estudo que escrevi em 2009, “Jornalismo científico e mudanças conjunturais da comunicação”.
Dedo na ferida
A discussão não é nova, mas o artigo da pesquisadora e comunicadora norueguesa tem o mérito de trazer novos elementos para o debate sobre esse tema, que não envolve apenas o trabalho de divulgação dessas instituições, mas também dos veículos da imprensa, que muitas vezes simplesmente copiam e colam press releases, renunciando à sua obrigação de verificar as informações que publicam.
Além disso, toda cutucada nessa ferida é sempre válida, seja para manter acesa —e, em muitos casos, provocar— a reflexão de profissionais de comunicação que trabalham nessas instituições, seja para fazer muitos pesquisadores que nelas trabalham entenderem o que envolve a instrumentalização da divulgação. Por essas e outras, vale a pena a leitura do paper de Rebecca B. Carver para pesquisadores, jornalistas da área de ciência e leitores interessados em saber de onde vem grande parte das notícias científicas.