Impactos ambientais e oportunidades de pesquisa

Por Maurício Tuffani
Pesquisadores da USP e do Instituto de Botânica recolhem amostras de troncos de árvores em área de Mata Atlântica, na serra da Cantareira, para calcular armazenamento de carbono. Imagem: Moacyr Lopes Júnior/FolhaPress, 25.set.2014
Pesquisadores da USP de Piracicaba e do Instituto de Botânica recolhem amostras de troncos de árvores em área de Mata Atlântica, na serra da Cantareira, para calcular armazenamento de carbono. Imagem: Moacyr Lopes Junior/Folhapress, 25.set.2014

A reportagem “Pesquisa mede carbono em árvores de área do Rodoanel”, que publiquei hoje na Folha, mostrou uma oportunidade devidamente aproveitada pelo Instituto de Botânica do Estado de São Paulo a partir da autorização, para as obras desse projeto, de desmatamento em áreas de Mata Atlântica, na região noroeste da capital paulista: realizar pesquisas que só poderiam ser desenvolvidas por meio de corte das árvores.

Aproveito para mostrar aqui no blog informações complementares sobre essa história, que apurei com o repórter fotográfico Moacyr Lopes Junior no dia 25 de setembro, em uma área e floresta em estágio de regeneração na serra da Cantareira, localizada no Jardim Damasceno, perto de Perús.

Desde 1993, quando entrou em vigor o chamado Decreto da Mata Atlântica, severas restrições passaram a ser exigidas para a supressão de vegetação e outras intervenções em áreas dos remanescentes dessa floresta, que apesar de ser um dos biomas de maior diversidade biológica do planeta, encontra-se reduzida a cerca de 12% de seu domínio original.

Restrição da lei

As exigências do decreto passaram a ter mais força em 2006 por meio da lei  11.428, que em seu artigo 17 estabeleceu:

Art. 17.  O corte ou a supressão de vegetação primária ou secundária nos estágios médio ou avançado de regeneração do Bioma Mata Atlântica, autorizados por esta Lei, ficam condicionados à compensação ambiental, na forma da destinação de área equivalente à extensão da área desmatada, com as mesmas características ecológicas, na mesma bacia hidrográfica, sempre que possível na mesma microbacia hidrográfica, e, nos casos previstos nos arts. 30 e 31, ambos desta Lei, em áreas localizadas no mesmo Município ou região metropolitana.

§ 1º. Verificada pelo órgão ambiental a impossibilidade da compensação ambiental prevista no caput deste artigo, será exigida a reposição florestal, com espécies nativas, em área equivalente à desmatada, na mesma bacia hidrográfica, sempre que possível na mesma microbacia hidrográfica.

Nos termos dessa lei, o atual projeto do trecho norte do Rodoanel previu inicialmente a necessidade de autorização para desmatar 523 hectares, definindo a contrapartida de plantio de aproximadamente 1,6 milhão de mudas de espécies nativas em uma área bem maior, de cerca de mil hectares.

No entanto, a coordenação do projeto da obras decidiu desmatar uma área bem menor, de 180 hectares, mas mantendo a extensão anteriormente prevista para essa compensação, para a qual já existe um plano busca e seleção de áreas viáveis para execução do plantio, segundo a estatal paulista Dersa (Desenvolvimento Rodoviário), responsável pelo projeto de todo o Rodoanel. Precisaremos conferir se isso será cumprido.

Discos de troncos de árvores  , cortados para serem analisados em laboratório do campus da USP em Piracicaba (SP) para calcular armazenamento de carbono. Imagem: Moacyr Lopes Júnior/FolhaPress, 25.set.2014
Discos de troncos de árvores cortados para serem analisados em laboratório do campus da USP em Piracicaba (SP) para calcular armazenamento de carbono. Imagem: Moacyr Lopes Junior/Folhapress, 25.set.2014

Oportunidade

Luiz Mauro Barbosa, diretor-geral do Instituto de Botânica, atuou na análise do estudo de impacto ambiental das obras do trecho norte do Rodoanel e atualmente trabalha na coordenação das ações de restauração ambiental do projeto. Ele percebeu a oportunidade para fazer pesquisas que dificilmente seriam autorizadas nos termos dessa lei. Segue  a explicação dele.

“Em uma das reuniões de planejamento, o professor Hilton Thadeu Zarate do Couto, da Esalq (Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da USP), em Piracicaba, destacou que a quantificação de carbono em florestas nativas é uma atividade recente e pouco desenvolvida, muitas vezes feita apenas através de ajustes de equações de estimativa. Diante do processo de supressão da vegetação nativa em algumas áreas, surgiu então a ideia de ser avaliado o carbono ‘in loco’.”

Com a concordância da Dersa, foi possível dar início a um trabalho de pesquisa que poderá trazer importantes contribuições sobre o nível do sequestro de carbono em áreas de Mata Atlântica bem próximas de grandes centros urbanos, como é o caso da floresta em estágio de regeneração nas bordas da serra da Cantareira em São Paulo, mostrada na reportagem de hoje.

Conversei sobre essa iniciativa com o biólogo Paulo Moutinho, diretor-executivo do Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), que desde 2000 tem participado de debates internacionais no âmbito da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança Climática. Moutinho ressaltou que os resultados do estudo da USP e do Instituto de Botânica poderão também ser aproveitados para outras pesquisas, por exemplo, sobre o efeito de períodos de estiagem nesse tipo de floresta.

É possível, por exemplo, diz o biólogo, usar esses dados para comparar com medições (sem corte de árvores, é claro) em áreas afetadas pela seca com as realizadas em trechos submetidos a uma irrigação intensa. Couto, que já publicou trabalhos aproveitados pelo IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática das Nações Unidas), concordou com a ideia do pesquisador do Ipam, e afirmou que sua equipe já começou a prospectar diversas formas de aproveitamento da pesquisa.

Depois de dividir a área de estudo de 0,8 hectare em dez parcelas, pesquisadores da USP e do Instituto de Botânica fizeram um inventário das árvores a serem cortadas e analisadas. Imagem: Moacyr Lopes Júnior/FolhaPress, 25.set.2014
Depois de dividir a área de estudo de 0,8 hectare em dez parcelas, pesquisadores da USP e do Instituto de Botânica fizeram um inventário das árvores a serem cortadas e analisadas. Imagem: Moacyr Lopes Junior/Folhapress, 25.set.2014

Chance perdida

Na verdade, o pesquisador da USP já poderia ter feito um estudo semelhante há cerca de 15 anos, quando foram autorizadas as obras da segunda pista da rodovia dos Imigrantes em áreas do Parque Estadual da Serra do Mar, em São Bernardo do Campo e Cubatão.

“Não nos deixaram fazer naquela vez, dizendo que a pesquisa atrapalharia as obras”, disse Couto se referindo à negativa da Dersa ao seu pedido de autorização para usar trechos de Mata Atlântica que acabaram sendo desmatados. Marcelo Arreguy Barbosa, gerente da Divisão de Gestão Ambiental da Dersa, não comentou o caso do passado, mas mostrou que felizmente a companhia mudou sua atitude em relação a esse tipo de iniciativa.

“A pesquisa não estava contemplada nos projetos ambientais básicos do Rodoanel norte, mas no decorrer da obra surgiu a oportunidade de apoiarmos os estudos, e colocamos à disposição dos pesquisadores todos os meios necessários para efetuar seu trabalho.”

O Brasil já teve episódios lamentáveis de desperdício em licenciamentos ambientais, como o de árvores de uma grande extensão de Floresta Amazônica que foi submersa pelas águas da barragem da usina hidrelétrica de Balbina, no rio Uatumã, ao norte de Manaus (AM), no final dos anos 1980. Se nem os próprios recursos naturais eram devidamente aproveitados, o que esperar em relação à pesquisa científica?

Já estava mais do que na hora de começarem a aproveitar oportunidades em licenciamentos ambientais para ampliar o conhecimento científico sobre nossos ecossistemas. Ponto para o Instituto de Botânica e para a Dersa.