Este é o segundo de três posts em complemento a minha reportagem “Produção científica no Brasil fica menos concentrada em SP”, publicada pela Folha ontem (segunda-feira, 13.out), quando postei também o primeiro, “A pesquisa no Brasil e em SP (parte 1)”.
Hoje apresento todos os números correspondentes ao gráfico da quantidade de artigos científicos publicados de 1981 a 2013 pela Unesp, Unicamp e USP, comparando-os com a produção de todo o Brasil, o que inclui não só instituições de ensino superior, mas também órgãos públicos e privados de pesquisa —institutos como o Inpe (Institutos Nacional de Pesquisas Espaciais), empresas como a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) e fundações como a Fiocruz (Fundação Instituto Oswaldo Cruz)— e outras instituições que também desenvolvem estudos, como hospitais,
A tabela com todos esses números está ao final deste texto.
Na participação das três universidades estaduais paulistas na produção científica total brasileira nesse período de 33 anos, destaca-se o grande crescimento da Unesp em quantidade e também em qualidade de sua publicação de estudos de padrão internacional.
(Os dados da reportagem de ontem se referem apenas a artigos científicos publicados em revistas indexadas na base de dados Web of Science, do grupo Thomson Reuters.) Entre outras características, essas publicações possuem comitês independentes de especialistas para avaliação e aprovação dos estudos propostos. Desse modo, a reportagem considerou apenas a produção com base em estudos publicados sob critérios editoriais de padrão internacional.)
Origens
Diferentemente da USP, que consolidara uma forte tradição acadêmica consolidada e foi criada em 1934, e da Unicamp, que foi fundada em 1966 com a missão de ser uma universidade com foco na pós-graduação e na pesquisa, a Unesp foi instituída em 1976 por meio da agregação de diversas faculdades do governo estadual, prioritariamente dedicadas ao ensino de graduação e distribuídas em diferentes regiões do Estado de São Paulo.
Os números relativos à quantidade e ao impacto de artigos científicos publicados pela Unesp anualmente mostram que no início da década de 1980, ou seja, 15 anos após sua criação, essa universidade mal consolidara seu foco na pesquisa e na pós-graduação. Essa universidade que não foi criada a partir de um núcleo estruturador, como a USP e a Unesp, hoje produz o equivalente a 8% de todos os artigos científicos do Brasil indexados na Web of Science.
Maria José Giannini, pró-reitora de Pesquisa da Unesp, que na reportagem comentou a formação de pessoal da universidade, ressaltou também o fortalecimento da estrutura de apoio e integração das atividades da instituição nessa área a partir de 2005 com o começo das atividades de sua pró-reitoria, chefiada por ela desde 2009. “O aumento na produção científica culminou com a criação da Agência de Inovação em 2007 para proteção e aumento da propriedade intelectual”, disse a pesquisadora.
Autonomia
Também foram incorporadas à Unesp instituições privadas, como o IFT (Instituto de Física Teórica), que era uma fundação criada em 1952 e que já acumulava uma forte tradição de pesquisa. Como destacou a reportagem, hoje o instituto tem 18 professores, todos eles doutores e autores de artigos científicos publicados em revistas de prestígio internacional. Além disso, 30 dos alunos do instituto atualmente fazem pós-doutorado em importantes centros de pesquisa no exterior, informou o diretor Rogério Rosenfeld.
Foi no IFT que nasceu outro centro de pesquisas importante, o NCC (Núcleo de Computação Científica), que realiza processamento de alto desempenho para aproximadamente 60 projetos de pesquisa de diferentes áreas da Universidade, ao mesmo tempo que desenvolve pesquisas em alguns assuntos de fronteira do conhecimento, como as pesquisas sobre estrutura da matéria realizadas no acelerador de partículas LHC, do Cern (Centro Europeu de Pesquisa Científica), na Suíça. Aliás, lá estava trabalhando o físico Sérgio Ferraz Novaes, diretor do NCC, quando me atendeu minha ligação em seu celular na semana passada.
O IFT e o NCC são apenas dois exemplos de núcleos —uma mais antigo e outro mais recente— que se mantêm no crescimento quantitativo e qualitativo de sua produção científica em uma universidade que se originou de uma junção de instituições de ensino superior heterogêneas. Não há como desvincular do modelo de autonomia universitária implantado no Estado em 1989 o desempenho da Unesp na expansão da pesquisa e também da graduação, da pós-graduação e da extensão de serviços à comunidade.
Esse modelo de gestão tem problemas, a começar pela falta de um teto orçamentário para despesas com folha de pagamento, como já observei neste blog no post “A autonomia universitária e seu vício de origem” (7.set). Mas sua flexibilidade de alocação de recursos e de gestão financeira e patrimonial, que faz da Unesp, Unicamp e USP serem as únicas universidades brasileiras em sintonia com o artigo 207 da Constituição Federal, tem sido decisivo para as três instituições terem esse desempenho em quantidade e qualidade.
A solução da atual crise pela qual passam essas as universidades estaduais paulistas não pode deixar de considerar o papel estratégico e diferenciado dessas três instituições para a pesquisa científica brasileira nem os resultados positivos alcançados por elas, que são indiscutivelmente associados à autonomia. A solução dessa crise não poderá desconsiderar esses aspectos ou, pior ainda, levar em conta apenas a necessidade da ampliação da oferta do ensino de público graduação, como fazem muitos dos formadores de opinião.