Evidências fortes e carteiradas científicas

Por Maurício Tuffani

Susannah Locke, repórter de ciência do blog “Vox.com”, publicou no sábado (1.nov) o post “Como você pode afirmar se uma evidência científica é forte ou fraca?”. A jornalista de Nova York apresenta oito sugestões para os colegas da área de ciência não comprarem gato por lebre quando estiverem à frente de pesquisas cujos resultados aparentemente são confiáveis.

As oito recomendações são as seguintes.

  • Conheça a diferença entre hipótese e teoria.
  • Cuidado com o viés de seleção de dados.
  • Não confunda correlação com relação de causa e efeito.
  • Observe a “regra de ouro”: ensaios randomizados, controlados por duplo-cego e placebo.
  • Compreenda significância estatística.
  • Esteja atento a conflitos de interesse.
  • Saiba que o sistema de “peer review” (revisão por pares) de artigos científicos não é perfeito.
  • Repare que nem todas as revistas científicas são boas.

Apesar de nesse post a blogueira ter como foco os colegas jornalistas que cobrem sua área, é importante ressaltar que suas recomendações precisam cada vez mais ser observadas também por instituições de pesquisa, empresas que lidam com ciência  e órgãos de governo. E principalmente no que diz respeito à sexta sugestão, sobre a possibilidade de haver conflitos de interesse.

Tendência

Muitas dessas instituições dispõem de estruturas de comunicação poderosas, que distribuem com eficiência comunicados sobre supostas boas novidades da ciência resultantes de seu trabalho. Infelizmente, cada vez mais esses comunicados são reproduzidos sem verificação não só nas redes sociais, mas também por meios de comunicação que não dispõem de profissionais habituados a discriminar notícias científicas relevantes para o público em geral de peças de divulgação que só interessam aos próprios divulgadores.

Essa é uma tendência crescente da comunicação nas áreas de ciência, especialmente na medicina e também em meio ambiente. Já abordei esse tema outras vezes, mais recentemente no post “Centros de pesquisa fazem divulgação científica ou relações públicas?” (27.set).

Essa tendência exige cada vez mais que os jornalistas da área estejam atentos aos princípios das recomendações de Susannah Locke. Além disso, é preciso também disposição permanente para fazer uma afirmação necessária em face de dúvidas não esclarecidas ou de respostas incompletas ou evasivas, que também foi apontada pela blogueira de ciência do “Vox.com”.

“Você não respondeu a minha pergunta!”

Carteiradas

No final das contas, cobrar esclarecimentos é um princípio do jornalismo em geral. Trata-se de “Não ter medo de dizer: ‘Desculpe, mas não entendi bem’ (…), desconfiar do poder e duvidar da versão de quem governa”, como disse Ben Bradlee, que morreu em outubro aos 93 anos e foi editor-chefe do jornal “The Washington Post”, onde pilotou a cobertura do escândalo Watergate.*

Ainda existem cientistas e outros especialistas que não se conformam com repórteres que não se dão por satisfeitos com afirmações baseadas apenas em credenciais acadêmicas. Ou seja, não se conformam com jornalistas que não aceitam “carteirada” de pesquisadores.

Às vezes tenho a impressão de que essa mentalidade está acabando. E há momentos em que me parece que ela sobrevive em escala maior do que eu imagino.