Tive a oportunidade de participar do programa “Roda Viva”, da TV Cultura, na segunda-feira (10.nov) para entrevistar o agrônomo Roberto Rodrigues, que foi ministro da Agricultura diante quase todo o primeiro governo Lula (2003-2006) e atualmente é coordenador do Centro de Estudos do Agronegócio da FGV-SP.
Foi uma boa oportunidade não só devido ao currículo e ao profundo conhecimento do entrevistado em sua área de atuação, mas também por ele ser um dos interlocutores da agropecuária mais qualificados para o debate sobre a relação entre as políticas desse setor com o meio ambiente.
No segundo bloco perguntei a ele porque raramente há respostas científicas às críticas às políticas brasileiras de uso da terra, principalmente pela agropecuária, críticas essas que têm sido formuladas nos últimos anos por diversos estudos publicados em periódicos altamente conceituados. Um dos exemplos que eu apontei no programa foi o artigo “Cracking Brazil’s Forest Code” (Quebrando o Código Florestal do Brasil), da edição de 25 de abril deste ano da revista “Science”.
‘Anistia’
De acordo com o estudo, a reformulação do Código Florestal em 2012 reduziu em 58% a área total desmatada antes de 2008 que, segundo a legislação anterior, deveria ser recuperada em propriedades rurais. A nova lei diminuiu a abrangência dessa obrigação legal de 51 milhões para 21 milhões de hectares.
Dos 3o milhões de hectares “anistiados”, 22% estão em APPs (áreas de preservação permanente) nas margens dos rios e 78% em áreas de reserva legal, segundo os oito autores da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), Centro de Pesquisas Woods Hole (EUA), Secretaria de Estudos Estratégicos da Presidência da República e do Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia).
Escolhi como exemplo esse artigo por ele ser relativamente recente e também pelo fato de ele apontar o prejuízo para a recuperação da Mata Atlântica, da qual resta somente em todo o país 18% de sua cobertura vegetal nativa, agravando não só a geração de energia hidroelétrica, mas também o abastecimento de água de grandes centros urbanos, como São Paulo.
Sem contraponto
Mas nessa entrevista citei também uma matéria que foi o maior inventário da omissão de respostas científicas por parte dos proponentes da revisão dessa lei. Foi a reportagem “O Código Florestal ao arrepio da ciência“, das jornalistas Giovana Girardi e Andreia Fanzeres, na edição de outubro de 2010 da revista “Unesp Ciência”. Eu era nessa época diretor editorial dessa publicação, responsabilidade que acumulava com a de assessor-chefe da Unesp (Universidade Estadual Paulista).
Na capa, complementando a chamada “Novo Código Florestal: cadê a ciência?”, a matéria estava sintetizada na frase: “Projeto de lei segue para votação no Congresso sem base científica nem contraponto a danos de previsões ambientais”. Essa foi a conclusão após dois meses de exaustiva apuração, que incluiu dezenas de consultas e entrevistas com pesquisadores de diversas instituições.
Vale a pena destacar que, questionado pela reportagem sobre a fundamentação científica do projeto de lei, seu relator, o deputado federal Aldo Rebelo (PDdoB-SP), não soube indicar um único estudo devidamente publicado em periódico ou escrutinado por avaliação independente. Segundo ele, a iniciativa se baseara em pareceres de consultores legislativos e outros especialistas “que ajudaram inclusive na redação da proposta” e em audiências públicas em diversas localidades do país.
Audiências
No “Roda Viva” anteontem, Roberto Rodrigues reconheceu que realmente têm faltado respostas cientificamente consistentes às críticas de que tratou minha pergunta e que agora trata este post. Por outro lado, ele afirmou que a nova redação do Código Florestal instituiu mecanismos para estímulo à recuperação de cobertura vegetal degradada e também à preservação de APPs, como o PSA (pagamento por serviços ambientais). Faço votos para que sua atuação na FGV estimule a elaboração de políticas para o agronegócio que busquem fundamentação científica consistente no que se refere aos aspectos ambientais.
Independentemente das críticas que possam a ser feitas a uma proposta de política pública, é assustador que iniciativas de leis possam ser formuladas sem fundamentação científica. O Congresso Nacional tem consultores legislativos competentes tecnicamente em diversas áreas do conhecimento, mas esse tipo de suporte nem sempre é suficiente, principalmente quando há necessidade de contraponto científico fundamentado em pesquisas de campo.
No final das contas, muitas vezes tem prevalecido o aval por meio da realização de audiências públicas, que é prevista em lei. No entanto, esse tipo de consulta pode se tonar uma mera formalidade, seja pela escolha de palestrantes por meio de critérios muito mais políticos do que técnicos, seja pela falta de embasamento técnico na própria definição de sua pauta. Debates acirrados podem dar a impressão de pluralidade de opiniões, mas nem sempre garantem uma abordagem crítica do tema em pauta.
Com ou sem essas audiências e outros tipos de debates ou consultas, não dá para tomadores de decisão continuarem a ignorar críticas científicas a propostas de políticas públicas. E não dá para considerar como respostas válidas aquelas que não sejam cientificamente fundamentadas. Sem essa fundamentação devidamente comprovada, as respostas de especialistas não passam de palpites ou de “carteiradas” por meio daquilo que em lógica se chama falácia do argumento da autoridade.