O deputado federal Marco Feliciano (PSC-SP) apresentou na quinta-feira (13.nov) ao Congresso Nacional mais uma ideia que certamente dará o que falar: um projeto de lei para tornar obrigatório o ensino do criacionismo na educação básica pública e privada do país. Desta vez o parlamentar evangélico paulista se superou na demonstração de profunda ignorância ao tratar de um assunto em uma proposição legislativa.
Para “justificar” seu projeto de lei 8.099/2014, Feliciano deu uma explicação digna de destaque nos anedotários políticos. Segundo o texto, o evolucionismo se baseia na ideia de que a vida surgiu de uma “célula primitiva que se pôs em movimento pelo Big Bang”.
Em outras palavras, o projeto do parlamentar reeleito com 398 mil votos —o terceiro mais votado para deputado federal em São Paulo, atrás apenas de Celso Russomano (PRB) e Tiririca (PR)— mistura a teoria sobre o surgimento do universo há cerca de 15 bilhões de anos com a da evolução das espécies por meio da seleção natural.
Mesmo sem saber que bilhões de anos se passaram desde o Big Bang até o surgimento dos primeiros seres vivos, qualquer pessoa com o mínimo de interesse sobre o assunto entende que se tivesse existido uma célula naquela explosão primordial do universo, ela jamais teria escapado à desintegração.
Crianças ‘confusas’
A “justificação” do projeto lei apresenta outras asneiras, a começar pela absurda pressuposição de que a ciência procede “como se fosse possível submeter à autenticidade do Criador em laboratório de experimentos humanos”, e outras, como as dos trechos a transcritos seguir.
“As crianças que frequentam as escolas pública tem se mostrado confusas, pois aprendem nas suas respectivas escolas noções básicas de evolucionismo, quando chegam a suas respectivas Igrejas aprendem sobre o criacionismo em rota de colisão com conceitos de formação escolar e acadêmica.”
“Ensinar apenas o EVOLUCIONISMO nas escolas é ir contra a liberdade de crença de nosso povo, uma vez que a doutrina CRIACIONISTA é a predominante em todo o nosso país. O Ensino darwinista limita a visão cosmológica de mundo existencialista levando os estudantes a desacreditarem da existência de um criador que está acima das frágeis conjecturas humanas forjadas em tubos de ensaio laboratorial. Sem menosprezo ao avanço tecnológico e científico, indispensável às necessidades sociais enquanto aplacador da inventividade e curiosidade humanas, é possível harmonizar ensinos que contribuam ao desenvolvimento e amplitude da visão cósmica do conhecimento humano.”
Saia justa
Além desses e outros disparates, o texto do deputado-pastor Marco Feliciano contém erros gramaticais em excesso. Uma simples consulta à Wikipedia ou pelo Google e a ajuda de um simples corretor gramatical teriam resolvido esses problemas. É possível que a apresentação desse projeto de lei seja resultado de uma iniciativa apressada.
Coincidentemente, no dia seguinte à apresentação dessa desastrada proposta legislativa teve início em Campinas o 1º Congresso Brasileiro do Design Inteligente, no qual estarão reunidos até amanhã (domingo, 16.nov) biólogos, químicos e especialistas de outras áreas que rejeitam o modelo evolucionista baseado na seleção natural, mas não necessariamente baseados na interpretação literal da Bíblia de que o universo tem menos de 6 mil anos.
Tendo ou não sido proposital a coincidência com o evento, Feliciano arrumou uma saia justa para os adeptos do DI (Design Inteligente) com esse projeto de lei que é um monumento à ignorância. Sem querer, o deputado talvez tenha ajudado a abertura da caixa-preta do criacionismo, sobre a qual comentarei em breve.
PS – Copia e cola
A coisa é pior do que eu imaginava. Poucos minutos depois de eu publicar este post, o biólogo Roberto Takata me mostrou pelo Twitter que, na verdade, a proposta do pastor Marco Feliciano é uma cópia piorada de outra, o projeto de lei 594/2007, apresentado pelo deputado estadual Artagão Jr. (PMDB) à Assembleia Legislativa do Estado Paraná (Alep) em 2007. Nesta semana ele começou a ser apreciado na Comissão de Constituição e Justiça do Legislativo paranaense.
Em seu projeto Feliciano repete não só os mesmos disparates, mas também os mesmos erros de gramática do texto apresentado originalmente por Artagão Jr., apesar de o site do deputado estadual paranaense já ter uma versão corrigida. A única originalidade do parlamentar evangélico paulista só serviu para acrescentar ao início da “justificação” mais uma bobagem, aquela acima mencionada sobre “submeter à autenticidade do Criador em laboratório de experimentos humanos”.
É possível que Feliciano tenha copiado o projeto apresentado à Alep com a anuência do deputado paranaense ou, quem sabe, até mesmo com a recomendação dele. É estranho, no entanto, não ter sido dado nenhum crédito. Seja como for, tudo isso reforça que o deputado federal paulista desconhece o assunto de que trata. E que continua em pé o monumento à ignorância, cuja demolição cabe aos legislativos estadual e nacional.
PS 2 – Congresso de DI se posicionou contra ensino de criacionismo
A novidade está no post “Design Inteligente rejeita criacionismo em aulas de ciências”, publicado em 16.nov às 21h36.