O Campus do Cérebro em construção na cidade de Macaíba (RN) deverá entrar em operação no segundo semestre de 2015, quando já deverão estar trabalhando cerca de 200 pessoas, entre professores e pesquisadores e outros funcionários, segundo o Instituto de Ensino e Pesquisa Alberto Santos Dumont, que firmou em julho contrato de gestão com o MEC (Ministério da Educação) e com a UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte).
A informação foi divulgada por meio de “nota de esclarecimento” do instituto —cujo conselho de administração é presidido pelo cientista Miguel Nicolelis, professor de neurobiologia da Universidade Duke (EUA) e pesquisador do IINN (Instituto Internacional de Neurociências de Natal) — após a publicação de minha reportagem “Cientistas criticam MEC por dar R$ 247 milhões a projeto de Nicolelis”, publicada pela Folha na quarta-feira (26.nov). De acordo com a nota,
“O Campus do Cérebro, que pode ser comparado ao de outras universidades que vêm sendo construídas atualmente pelo governo federal no país, será um polo científico-tecnológico em neurociências e neuroengenharia, com impacto direto em todo o Nordeste e, consequentemente, em todo o país.”
A nota acrescenta que também fazem parte do projeto a manutenção de três centros de educação científica em Macaíba e Natal (RN) e Serrinha (BA), nos quais 1.400 alunos estão sendo atendidos anualmente desde desde 2007, e uma escola de ensino básico de horário integral que utiliza o método científico na sua proposta educacional, onde 700 crianças passarão a frequentar essa escola, com área construída de 14 mil m², a partir de 2015.
O projeto prevê ainda a ampliação de atividades do Centro de Educação e Pesquisa em Saúde, serviço ambulatorial de referência para a saúde materno-infantil na região de Macaíba, com capacidade atual de atendimento de 12 mil consultas por ano (clique aqui para ler a íntegra da nota).
Abaixo-assinado
Ontem passavam de 200 as adesões ao abaixo-assinado de pesquisadores brasileiros que pedem ao MEC (Ministério da Educação) explicações e a revisão do apoio financeiro ao Campus do Cérebro, projetado pelo neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis para ser implantado na cidade de Macaíba (RN). Recebi a informação ontem (quinta-feira, 27.nov) de José Antonio Rocha Gontijo, professor de medicina da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e um dos articuladores da elaboração e encaminhamento do documento ao ministério (clique aqui para ler o texto).
As adesões estão sendo organizadas por Paulo Saldiva, professor de medicina da USP (Universidade de São Paulo). Ele e Gontijo são coordenadores de duas das três áreas de medicina da Capes (Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), que é subordinada ao MEC. Eles não são funcionários do órgão, mas representantes, com mandato de três anos, de comissões de pós-graduação de medicina de todo o país.
O abaixo-assinado foi decidido durante o Encontro Nacional de Pós-graduação na área de Ciências da Saúde, realizado em Criciúma (SC) de 17 a 19 de novembro.
Primeiro desembolso
O instituto recebeu em setembro a primeira parcela, de R$ 29,7 milhões, do contrato de gestão assinado com o MEC e a UFRN. Os demais aportes estão previstos semestralmente até dezembro de 2017. O contrato, que teve extrato publicado em 28 de julho no “Diário Oficial da União”, e cujo texto está disponível para download no site do ministério, menciona metas e prazos previstos no anexo 1 e desembolsos previstos no anexo 3.
Em nota para a reportagem de quarta-feira (clique aqui para ler o texto), o Ministério da Educação afirmou
“As negociações para a celebração do contrato de gestão seguiram os trâmites regulares previstos na legislação, sendo o contrato aprovado técnica e juridicamente pelos ministérios da Educação e do Planejamento, Orçamento e Gestão. O modelo OS [organização social] é um modelo já adotado, desde 1998, pelas administrações públicas federal, estaduais e municipais e consiste na pactuação de metas e resultados para a prestação, por uma OS, de determinados serviços públicos definidos em lei.”
Sem respostas
No entanto, essa nota deixou sem respostas quatro perguntas que enviei por e-mail na terça-feira, antes da reportagem, e reiterei ontem e anteontem. São as seguintes.
- Quais são as metas e prazos previstos no anexo 1 e os desembolsos previstos no anexo 3?
- Qual é o valor total previsto este ano, para 2015, 2016 e 2017 no programa (classificação funcional-programática da execução orçamentária) que está sendo onerado para esse contrato de gestão?
- Qual é a justificativa para a destinação desse montante de recursos?
- Quanto já foi destinado pelo MEC para o Instituto de Ensino e Pesquisa Alberto Santos Dumont/Instituto de Neurociência de Natal? Desde quando? Com qual finalidade? Que foi realizado com esses recursos?
Até o fechamento deste post essas perguntas não foram respondidas. Em vez de agir com transparência, o MEC procede de modo a criar problemas para a imagem pública de sua atuação em relação a esse projeto.
No Congresso
Ontem o blog “PSDB na Câmara” publicou o post “Afronta aos demais cientistas”, informando que a deputada federal Mara Gabrilli (PSDB-SP) pedirá explicações ao MEC sobre o apoio ao projeto de Nicolelis.
“Sou grande defensora do apoio e incentivo à pesquisa científica no Brasil, mas desde que seja feito com fundamento e seriedade. Vale lembrar que Nicolelis já recebeu R$ 33 milhões do Governo Federal para construir um protótipo do exoesqueleto comandado pelo cérebro que faria um paraplégico andar na abertura da Copa do Mundo deste ano, realizada no Brasil, e o paraplégico não andou. Portanto, ele já tem um histórico de não cumprir o que promete.”
Exoesqueleto
Na verdade, não foi bem assim como disse a deputada. O objetivo da demonstração do chamado exoesqueleto, que mal apareceu nas transmissões da abertura da Copa do Mundo pela televisão, não era de mostrá-lo andando, mas dando um “chute emblemático”, como havia afirmado 53 dias antes do evento o próprio Nicolelis na ótima reportagem de Álvaro Pereira Júnior exibida pelo “Fantástico” em 20 de abril. Álvaro abordou posteriormente o assunto em sua coluna na Folha (“O chute de Nicolelis”, 21.jun), onde afirmou:
“Nicolelis não é um enganador, não torrou dinheiro público (R$ 33 milhões da Financiadora de Estudos e Projetos, Finep) para uma demonstração frustrante. Na verdade, ele trafega em um patamar de prestígio internacional atingido por muito poucos cientistas brasileiros. (…) Mas Nicolelis não é um semideus, como apregoam seus aduladores, nem a demonstração que fez na Copa é um grande marco científico. Claro que havia ali ciência e tecnologia de ponta —muitos trabalhos de doutorado e pós-doutorado por trás do chute discreto. Mas, culpa ou não da transmissão da Fifa, o fato é que o experimento não teve impacto visual ou emocional.”
Em breve
Não consegui falar com Nicolelis, que está fora do Brasil, mas pelo menos recebi respostas da assessoria de imprensa do Instituto de Ensino e Pesquisa Alberto Santos Dumont. E vários neurocientistas de renome brasileiros não responderam a minhas perguntas. Uns nem sequer responderam aos e-mails que enviei, ao passo que outros educadamente afirmaram que preferem esperar por mais informações sobre o assunto para eventualmente se manifestarem.
Enfim, a relação do governo federal com o trabalho de Nicolelis e sua equipe é um assunto complexo, e voltarei explorá-lo em breve.
PS – Leia também “SBPC questiona MEC por dar R$ 247 milhões para projeto de Nicolelis” (2.dez).