Bosquímanos podem ter sido a maior população do mundo

Por Maurício Tuffani
Grupo de bosquímanos, habitantes do noroeste da Namíbia. Imagem: Stephan C. Schuster/Penn State University/Divulgação
Grupo de bosquímanos, habitantes do noroeste da Namíbia. Imagem: Stephan C. Schuster/Penn State University/Divulgação

Os bosquímanos, aqueles caçadores-coletores nativos de pele negro-amarelada do sudoeste africano que se tornaram mais conhecidos nos anos 1980 com o filme “Os Deuses Devem Estar Loucos”, estão há muito tempo em declínio populacional. Mas no período entre 120 mil e 30 mil anos atrás, seus ancestrais foram provavelmente o maior grupo de humanos modernos, segundo um estudo de seis pesquisadores dos Estados Unidos, Singapura e Brasil, publicado na quinta-feira (4.nov) na revista científica “Nature Communications”.

Na comparação com 1.462 genomas de outros 48 grupos étnicos de todo o mundo, a pesquisa liderada pelo bioquímico Stephan Schuster, da Universidade Tecnológica de Nanyang, em Cingapura, constatou na análise de dois de cinco bosquímanos uma diversidade genética tão grande cuja explicação possível, por enquanto, é ela ter sido herdada de uma grande parte da população que viveu durante dezenas de milênios.

Além dessa diversidade, a análise desses dois bosquímanos, que são habitantes do norte do deserto Kalahary, não mostrou nenhum vestígio de herança genética de outras etnias, segundo o artigo. De fato, sempre foi muito isolado esse grupo que hoje é estimado em menos de 100 mil pessoas, ou seja, menos de 0,0014% da população mundial de aproximadamente 7,2 bilhões. A maioria deles, cerca de 66 mil, que está na Namíbia, corresponde a 4,5% do total de cerca de 2,2 milhões de habitantes do país.

O estudo avaliou que dos cerca de 100 mil bosquímanos da estimativa atual, aproximadamente 38 mil são os que conservam a maior diversidade genética, afirmou por e-mail Hie Lim Kim, da Universidade Estadual da Pensilvânia, coautora do estudo.

Clima

A hipótese para a grande expansão populacional dos bosquímanos está no clima. Dois ciclos climáticos causaram condições mais secas no norte e mais úmidas no sul da África. Nessa drástica variação, esse grupo, no sudoeste africano, foi poupado da aridez crescente em outras regiões no mesmo continente, explicou por e-mail o brasileiro Álvaro Montenegro, também um dos autores, pesquisador da Universidade Estadual de Ohio e professor visitante do campus de São Vicente da Unesp (Universidade Estadual Paulista).

Um desses fatores, segundo Montenegro, foi a glaciação, que começou por volta de 115 mil anos atrás e terminou há cerca de 20 mil anos. “O outro é relacionado com a precessão do eixo de rotação da Terra, que influenciou a localização da zona de convergência intertropical e produziu [na África] um padrão seco no norte e úmido no sul entre 95 mil e 85 mil anos atras”, disse o pesquisador brasileiro.

O estudo não abordou as causas do grande declínio da população bosquímana, que começou há milhares de anos e foi intensificada com a colonização do sul da África pelos bôeres ou africâners, descrita em “Terras de Sombras” (1974), primeiro livro de J. M. Coetzee, ganhador do Nobel de Literatura de 2003. Mas a pesquisa é interessante não só por sua hipótese sobre a proporção do contingente desse grupo nos últimos 120 mil anos, mas também por mostrar como o clima pode influenciar as populações.