O governo estadual de Santa Catarina ajuizou no STF (Supremo Tribunal Federal) em 26 de novembro uma ação para retirar dos órgãos que administram parques, reservas, estações ecológicas e unidades de conservação de outros tipos a competência para autorizar o licenciamento de obras e outros empreendimentos que possam afetar essas áreas protegidas.
O foco da ação direta de inconstitucionalidade (ADI) do Executivo catarinense está em uma exigência de uma lei em vigor desde 2000, mas que já vinha sendo aplicada desde 1981 por meio da lei da Política Nacional do Meio Ambiente. A investida dessa ação visa especificamente na lei do Sistema Nacional das Unidades de Conservação, o § 3º de seu artigo 36, que estabelece
“Quando o empreendimento afetar unidade de conservação específica ou sua zona de amortecimento, o licenciamento a que se refere o caput deste artigo só poderá ser concedido mediante autorização do órgão responsável por sua administração, e a unidade afetada, mesmo que não pertencente ao Grupo de Proteção, deverá ser uma das beneficiárias da compensação definida neste artigo.”
O motivo
Na verdade, a divergência do governador Raimundo Colombo (PSD) não é exatamente com essa competência legal de órgãos que administram unidades de conservação, mas com a necessidade de lidar com essa atribuição quando ela envolve outra esfera de governo.
O que o governo estadual não quer mais é depender do ICMBio (Instituto Chico Mendes para a Conservação da Biodiversidade), do Ministério do Meio Ambiente (MMA), sempre que a área a ser afetada envolver unidades de conservação federal. O Executivo catarinense entende que essa exigência “usurpa” a competência de sua Fundação do Meio Ambiente (Fatma), não importando se as unidades são federais ou municipais.
Um dos principais motivos para esse apelo à corte máxima do país foi o projeto de construção de novo acesso ao aeroporto Hercílio Luz, em Florianópolis, cujo traçado inicial afetava a área da reserva extrativista marinha do Pirajubaé, do ICMBio. Antes disso, houve uma enorme disputa judicial entre a Fatma e o órgão federal em torno do licenciamento do Parque Hotel Marina Ponta do Coral, também na capital do Estado. Recentemente, o confronto acabou sendo resolvido com a redução da área do projeto inicial, próxima da estação ecológica de Carijós.
‘Indevida censura’
O texto da ADI afirma que a exigência de autorização por meio dessa lei estabelece uma “indevida censura de terceiros (gestores de espaços ambientalmente protegidos)” sobre a autoridade do Estado na atividade de licenciamento. A ação alega também que, além de não haver hierarquia entre as esferas de governo na gestão ambiental, mas “recíproca colaboração”, a exigência legal atacada só teria validade por meio de lei complementar, argumentando que:
“Foge totalmente dessa moldura a norma federal que, em sede de matéria legislativa concorrente, deixa de fixar regras gerais, invadindo a gestão administrativa dos estados-membros.”
Curiosamente outros dispositivos legais não citados pela ADI tratam dessa matéria. Inclusive a lei complementar 140, em vigor desde 2011, que estabelece a competência para “promover o licenciamento ambiental de empreendimentos e atividades localizados ou desenvolvidos em unidades de conservação” justamente para a respectiva esfera de governo que as instituiu.
Confrontos
Além de não considerar essa lei complementar, a argumentação da ADI é estranha para quem está acostumado a acompanhar o licenciamento no plano estadual de empreendimentos de grande porte que envolvem unidades de conservação federais.
Reciprocamente, empreendimentos sob licenciamento federal com impactos previstos para unidades de conservação estaduais —como obras para linhas de transmissão de energia, exploração de petróleo no mar e terminais portuários— também têm sido aprovados somente após autorização dos órgãos que as administram.
São comuns os confrontos em licenciamentos ambientais entre órgão ambientais de diferentes esferas de governo desde os anos 1980, quando passou a vigorar o preceito jurídico da competência concorrente no plano legislativo e no administrativo.
Não conheço os detalhes dos projetos que motivaram essa ADI. Mas os confrontos entre esferas de governo em licenciamentos são até desejáveis para que não prevaleçam visões ou interesses unilaterais.
A morosidade nesses procedimentos deve ser evitada e combatida, mas não por meio do prejuízo do caráter difuso da legislação ambiental. Sem falar que está mais do que na hora de certos empreendedores abandonarem a desgastada prática de propor projetos ambientalmente incorretos para depois, em coro com governantes, apelarem à chantagem da necessidade de não atrapalhar investimentos no desenvolvimento econômico e social.
Aguardemos pela manifestação do ministro Dias Toffoli, relator da ADI.