O que importa na lei florestal de SP

Por Maurício Tuffani
Deputados Fernando Capez, Roque Barbiere, Campos Machado e José Bittencourt, na votação em 10.nov. Imagem: Vera Massaro/Alesp/Divulgação
Deputados Fernando Capez (PSDB), Roque Barbiere (PTB), Campos Machado (PTB) e José Bittencour (PSD)t, na votação em 10.nov. Imagem: Vera Massaro/Alesp/Divulgação

Na quarta-feira (10.nov) a Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) aprovou o Programa de Regularização Ambiental (PRA) previsto para todos os Estados pelo novo Código Florestal brasileiro.

As críticas ao texto aprovado pelos deputados paulistas ressaltaram o fato de ele reproduzir no Estado as mesmas imposições da lei federal vigente desde maio de 2012. Mas subestimaram um aspecto essencial: o PRA paulista, que poderia ter sido instituído por um simples decreto, foi elaborado para ser uma lei.

Se essa lei for sancionada pelo governador Geraldo Alckmin —e tudo indica que será—, São Paulo pouco poderá fazer nos próximos anos para ampliar as condições estabelecidas pelo Código Florestal para proteção e recuperação de suas florestas nativas. Se quiser fazer mudanças substanciais em sua regulamentação específica, o governo dependerá do Legislativo.

Se seu PRA fosse estabelecido por decreto, o Estado teria maior facilidade para fazer valer normas próprias mais severas que a lei federal, cuja elaboração foi objeto de reiterados protestos não só de ambientalistas, mas também de pesquisadores e de entidades representativas de cientistas brasileiros.

Omissão

É estranho o PRA de São Paulo não ter sido proposto pelas secretarias estaduais do Meio Ambiente (SMA) e da Agricultura e Abastecimento (SAA). O artigo 59 do novo Código Florestal obrigou os Estados a implantarem seus programas de regularização ambiental “por ato do chefe do Poder Executivo” no prazo de um ano a partir de maio de 2012, prorrogável por apenas mais um ano, estabelecendo normas própria “em razão de suas peculiaridades territoriais, climáticas, históricas, culturais, econômicas e sociais”.

As duas secretarias não informaram se tiveram alguma iniciativa para elaborar a proposta que acabou sendo elaborada pelo Legislativo já durante o período de prorrogação do prazo da delegação estabelecida pelo Código Florestal. No final das contas, seja por decreto ou por sanção de lei, o ato será do chefe do Executivo.

Iniciativa

Conversei com o líder do governo na Alesp, deputado Barros Munhoz (PSDB), que elogiou as duas pastas por terem colaborado para o projeto de lei 219, apresentado em março deste ano. O parlamentar afirmou que a condução da proposta pelo Legislativo foi um “ganho” para o Estado por envolver ampla participação, inclusive de ambientalistas e de representantes da oposição.

Perguntei a Munhoz se essa condução havia sido definida pelo governador, e o deputado respondeu ele e seus colegas de bancada a propuseram ao Executivo, que a endossou.  De um modo ou de outro, o projeto foi devidamente reconhecido na Alesp como uma proposta do líder do governo, que tem na agricultura uma de suas áreas de atuação. O deputado foi secretário da SAA de 1991 a 1993 no governo Fleury (PMDB) e ministro da Agricultura em 1993 na gestão Itamar Franco (PMDB).

A apresentação do projeto de lei do PRA trouxe para ruralistas a esperança não só de acesso a linhas de crédito, mas, acima de tudo, de segurança jurídica com a regularização de suas propriedades por meio da emissão do Cadastro Ambiental Rural (CAR). Como isso interessa também ao pequeno produtor, a oposição, certa de que o empenho e o prestígio de Munhoz poderiam fazer sua proposta passar inexoravelmente, tratou de negociar alterações em vez de tentar obstruir a tramitação.

Compensação

Um dos grandes pontos de confronto no PL 219 foi a tentativa dos oposicionistas de restringir ao território paulista a compensação de reserva legal por meio de aquisição de áreas de floresta. Segundo o Código Florestal, essa ação deve acontecer sempre no mesmo bioma em que se situa a propriedade a ser compensada.

Mas os governistas conseguiram derrubar, em votação em separado, a emenda que obrigava grandes propriedades a fazer a compensação somente em São Paulo. É possível que tenha sido melhor assim.

A Fundação SOS Mata Atlântica sugeriu que o mecanismo fosse estendido a áreas fora do Estado que também estivessem em bacias hidrográficas que abastecem São Paulo, como a PCJ, dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí, que abrange a região do sistema Cantareira e tem muitas nascentes no sul de Minas Gerais.

Em outras palavras, há áreas fora do Estado cuja preservação por meio de compensação interessa diretamente à população paulista. No entanto, a estratégia oposicionista, especialmente do PT, optou pelo critério do tamanho das propriedades rurais.

Última hora

Apoiada pela mobilização da SOS Mata Atlântica, a pressão oposicionista conseguiu para o dia 10 um substitutivo que aglutinou alterações no texto que estava para ser votado na véspera. A começar pelo acréscimo ao artigo 14 da proibição do uso de pinus e de eucalipto nas recomposição de áreas degradadas com espécies nativas e não nativas.

O pinus se tornou uma espécie invasora, uma verdadeira praga. O eucalipto não é o vilão sugador de água que alguns deputados petistas afirmaram ser em seus pronunciamentos no dia da votação, mas praticamente não tem interação ecológica para o benefício de uma mata tropical a ser recuperada, ainda mais em matas ciliares.

Outra mudança importante foi a eliminação, no artigo 18, de um dispositivo que visava autorizar a supressão de vegetação nativa e sobrevivera desde a proposta inicial, em março, embora nem sequer existisse no Código Florestal. Era o trecho transcrito a seguir.

§3º – Para o acesso às áreas e parques aquícolas fica assegurada a supressão de até 5% (cinco por cento) ou 1.500 m² (um mil e quinhentos metros quadrados) de vegetação nativa da área de preservação permanente localizada na posse ou propriedade.

No STF

Em notas distribuídas antes e depois da votação na quarta-feira, a SOS Mata Atlântica chamou o PL 219 de “lei do desmatamento” e afirmou que a proposta previa a redução dos limites das áreas de preservação permanente (APPs) já previstos no Código Florestal. O alerta se referia ao já citado artigo 14 do PL 219, que em seu §6º estabelece:

§6º – Nos casos de áreas rurais consolidadas em Áreas de Preservação Permanente no entorno de nascentes e olhos d’água perenes, será admitida a manutenção de atividades agrossilvipastoris, de ecoturismo ou de turismo rural, sendo obrigatória a recomposição do raio de quinze metros.

A ONG destaca o conflito dessa formulação com uma das formas de APP definida pelo próprio código, conforme seu artigo 4º:

IV – as áreas no entorno das nascentes e dos olhos d’água perenes, qualquer que seja sua situação topográfica, no raio mínimo de 50 (cinquenta) metros;

No entanto, a faixa de 15 metros que consta no PL 219 já estava prevista o artigo 61-A do mesmo código, com  a formulação que é criticada pela SOS Mata Atlântica:

§5º – Nos casos de áreas rurais consolidadas em Áreas de Preservação Permanente no entorno de nascentes e olhos d’água perenes, será admitida a manutenção de atividades agrossilvipastoris, de ecoturismo ou de turismo rural, sendo obrigatória a recomposição do raio mínimo de 15 (quinze) metros.

A ONG exagerou, mas sua crítica não foi totalmente imprópria, uma vez que esse  mesmo dispositivo do Código Florestal está sendo contestado no STF por meio da ação direta de inconstitucionalidade (ADI) 4902,  assim como outros dessa lei estão sendo questionados pelas ADIs 4901 e 4903. Todas elas do Ministério Público Federal.

Em outras palavras, a lei paulista do PRA aprovada pela Alesp e prestes a se tornar “ato do governador” já nasce sub judice. A tal segurança jurídica pode não resultar exatamente naquilo que nossos legisladores esperam. O pior é que essa moda da lei upgrade de decreto parece já estar começando a pegar em outros Estados.