O que o discurso de Rebelo não conserta

Por Maurício Tuffani
Aldo Rebelo (esq), novo ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação, e seu antecessor Clélio Campolina Diniz, em cerimônia de transmissão do cargo. Imagem: valter Campanato/Agência Brasil (2.jan.2015)
Aldo Rebelo (esq), novo ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação, e seu antecessor Clélio Campolina Diniz, que permaneceu apenas nove meses a função, em cerimônia de transmissão do cargo. Imagem: valter Campanato/Agência Brasil (2.jan.2015)

Depois da repercussão nas redes sociais de sua indicação pela presidente Dilma Rousseff para comandar o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), Aldo Rebelo, com seu pronunciamento na cerimônia de transmissão do cargo na sexta-feira (2.jan), voltou nesta semana a ser tema de posts e comentários na internet e também de reportagens, inclusive na imprensa internacional. Ontem (6.jan), no “New York Times”, Simon Romero, correspondente no Rio, afirmou que chamar o novo ministro de cético do clima é pouco.

Apesar de em seu discurso não ter comentado essa repercussão negativa, o novo ministro não deixou de responder indiretamente às críticas que recebeu, apontando-o como anacrônico em relação à inovação tecnológica e como negacionista do aquecimento global antropogênico. (O pronunciamento pode ser assistido em vídeo.)

Deixando de lado referências marxistas já desacreditadas, como a do “materialismo dialético como uma ciência da natureza”, e também suas considerações anteriores sobre  a visão predominante na ciência sobre mudanças climáticas, associando-a ao “movimento ambientalista internacional [que] nada mais é, em sua essência geopolítica, que uma cabeça de ponte do imperialismo”, Rebelo afirmou:

“A polêmica em relação ao aquecimento global existe independentemente da minha opinião. Há cientistas que majoritariamente defendem uma posição e há cientistas que têm outra opinião. Eu acompanho o debate como é meu dever de homem público.”

Uma vez que o cargo de ministro traz mais restrições a opiniões pessoais do que a de parlamentar, essa reinterpretação pode parecer uma “virada de página” de quem agora, em relação a esse e a outros temas, está investido de responsabilidades de Estado que devem prevalecer sobre compromissos partidários ou posições próprias.

Boa saída, mas somente em parte. As responsabilidades de Estado também se aplicam a parlamentares encarregados da relatoria de projetos de lei. E muitos dos cientistas brasileiros que se dedicam à agricultura e ao meio ambiente certamente nunca esquecerão que suas advertências foram desprezadas por Rebelo em seu relatório final das alterações no Código Florestal. Ali prevaleceu uma inusitada articulação entre os interesses conservadores da bancada ruralista e os fantasmas ideológicos nacionalistas de setores mais anacrônicos da esquerda brasileira.

O estrago

Desse modo, para combater a fantasmagórica conspiração imperialista idealizada como armação por trás do movimento ambientalista internacional, essa esquerda anacrônica aceitou representantes do capital do agronegócio como “companheiros de viagem”, como dizia Lênin.

As consequências dessa esdrúxula combinação política não se restringiram apenas ao prejuízo da proteção das áreas de cobertura vegetal nativa antes assegurada no Código Florestal, que, na verdade, nem existe mais desde que foi sancionada a lei 12.651, de 2012. O estrago se deu também com o enfraquecimento da própria legislação ambiental com a desarticulação dos preceitos jurídicos, ambientais e científicos que vigoravam harmoniosamente no código que foi esquartejado.

Em outras palavras, o resultado disso não foi apenas o enfraquecimento da proteção de nossos remanescentes florestais, prejudicando inclusive seu potencial hídrico. A nova lei também jogou no lixo a sistematização no direito brasileiro de dispositivos legais com princípios ambientais e científicos, substituindo-a por um amontoado de normas cuja articulação tem como objetivo maior a regularização das transgressões consumadas.

Não há reconstrução discursiva capaz de consertar esse estrago, nem de reverter a desconfiança de muitos pesquisadores que produziram estudos contrários às mudanças na lei, muitos deles em publicações de alto impacto internacional.

Moeda de troca

Em que pesem essas derrapadas que constam no histórico do novo ministro em relação a alguns dos temas do MCTI, elas não podem servir de parâmetro para prognosticar o que resultará do período em que ele estiver à frente dela. A começar pelo fato de que ninguém pode prever também o tempo em que ele permanecerá no cargo, cuja rotatividade foi das maiores na Esplanada dos Ministérios nos últimos anos.

Graças a essa rotatividade, o MCTI tem o triste estigma de moeda de troca. A fama da pasta foi reforçada pelas condições da nomeação e pela curta permanência de nove meses de seu antecessor, o engenheiro e economista Clélio Campolina Diniz. Em março do ano passado ele substituiu o matemático Marco Antônio Raupp, que, dos seis ministros exonerados por Dilma na reforma ministerial, foi o único que não era pré-candidato às eleições de outubro.

Não foi por menos que ao comentar essa troca de ministro “sem necessidade”, a bioquímica Helena Nader, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), criticou a ação do governo Dilma por colocar em risco a continuidade de ações estratégicas em curso.

O que virá

No domingo (4.jan) o jornalista Bruno De Pierro, editor-assistente de política científica da revista “Pesquisa Fapesp”, explorou em post seu blog pessoal as possibilidades de as convicções de Aldo Rebelo serem canalizadas para resultados positivos para a ciência, a tecnologia e a inovação. O colega mostrou ter essa esperança, com a devida ressalva de que só o tempo poderá confirmar isso.

De minha parte, apesar de ter sido apontado como parte de um complô da mídia golpista para inviabilizar a gestão do governo Dilma com minha reportagem na véspera do Natal na Folha o assunto, entendo que não faltam a Aldo Rebelo experiência e habilidade política e administrativa. E entendo também  que essas características muitas vezes são mais decisivas do que outras para o sucesso de ocupantes de cargos de primeiro escalão. Por essas razões, concordo também que só o tempo dirá o que resultará da gestão do novo ministro.