A repressão na USP não começou com a ditadura

Por Maurício Tuffani
O médico e fisiologista Thomas Maack, expulso da USP, exilado do Brasil e depois professor na Universidade Cornell, nos Estados Unidos, em depoimento à "pesquisa Fapesp". Imagem: Reprodução
O médico e fisiologista Thomas Maack, expulso da USP, exilado do Brasil e depois professor na Universidade Cornell, nos Estados Unidos, em depoimento à “pesquisa Fapesp”. Imagem: Reprodução

Os dois vídeos da série “O impacto da ditadura na universidade”, produzidos pela revista “Pesquisa Fapesp”, explicam com muita clareza como a repressão política na USP a partir do golpe militar de 1964 começou por iniciativa da própria instituição, e não da polícia ou dos órgãos de segurança.

“Nunca ouvi tanta indignidade por parte de universitários como ouvi na Faculdade de Medicina”, afirmou o próprio encarregado pelo Exército dos inquéritos policiais-militares, coronel Ênio Pinheiro, ao comentar as delações que analisou na sala oferecida ao Exército pela diretoria da escola, segundo o médico e fisiologista Thomas Maack. Professor da Medicina, preso, expulso da instituição e obrigado a deixar o país, ele depois desenvolveu uma rica carreira nos Estados Unidos, principalmente na Universidade Cornell, uma das mais prestigiadas do mundo.

Os dois vídeos, cada um com de cerca de 30 minutos, mostram como dentro da própria USP os detentores do poder acadêmico e seus colaboradores diretos já estavam desde 1962 articulando a reação contra lideranças entre professores e estudantes que propunham a reforma e a modernização da universidade.

Além do depoimento de Maack, que também foi entrevistado pela “Pesquisa Fapesp”, os vídeos mostram a estatística Elza Berquó, o filósofo José Arthur Giannotti, do sociólogo e ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso, o imunologista Michel Rabinovich e o casal de parasitologistas Ruth e Michel Nussenzweig.

Os depoimentos descrevem ainda a repressão muito mais ampla e contundente, que houve por iniciativa do próprio regime militar, alcançando ao todo cerca de 300 professores, inclusive por meio de prisões, aposentadorias compulsórias, exonerações e outras ações, com suas consequências prejudiciais também para a pesquisa e o ensino.

Maack nasceu na Alemanha em 1935 e emigrou com seus pais para o Brasil, em fuga do regime de Adolf Hitler. Lá, um ano antes, Martin Heidegger, um dos filósofos mais importantes do século 20, que havia se encantado com o nazismo, renunciou ao cargo de reitor da Universidade de Freiburg ao ser pressionado pelo governo e pelos estudantes da Juventude Hitlerista (Hitlerjugend) a cumprir a ordem do Führer de exibir a relação de professores judeus da instituição. Depois disso, o pensador se tornou persona non grata do regime.

Na USP, especialmente na Faculdade de Medicina, não foi necessária nenhuma pressão de fora.

Parabéns à “Pesquisa Fapesp” pelos vídeos e reportagens.

PS – A jornalista Maria Guimarães, que participou da elaboração dos vídeos, informou que haverá um terceiro. Ótima notícia.