O governo do Estado retificou ontem (quarta-feira, 28.jan) a sanção feita pelo governador Geraldo Alckmin no dia 14 da lei proposta por deputados estaduais para criar no Estado o PRA (Programa de Regularização Ambiental) de propriedades rurais previsto na alteração do Código Florestal em 2012. A publicação dessa lei no Diário Oficial no dia 15 omitia o amparo em dispositivos específicos da Constituição Federal e da Constituição do Estado de São Paulo, que constava no texto votado pela Assembleia Legislativa em 10 de dezembro.
Para muitos, pode parecer um preciosismo. Mas não é. Os dispositivos constitucionais a que se referem as remissões aprovadas pelo Legislativo, omitidas pela sanção do governador e resgatadas pela “retificação” de hoje (quinta-feira, 29.jan) reforçam obrigações de proteção ambiental, desestimulam ações judiciais contra a nova lei e sua futura regulamentação e dificultam a possibilidade de mudanças pelos próprios deputados para restringir medidas de preservação de vegetação nativa.
O “detalhe” da inclusão dessas remissões foi motivo de negociações não só entre deputados e ambientalistas na véspera da aprovação da lei pela Alesp, no início de dezembro, mas também em reuniões posteriores no Palácio dos Bandeirantes nos primeiros dias deste ano entre representantes do governo e ambientalistas.
Sumiço
A sanção publicada no dia 15 tinha a seguinte ementa.
“Dispõe sobre o Programa de Regularização Ambiental – PRA das propriedades e imóveis rurais, criado pela Lei Federal nº 12.651, de 25 de maio de 2012 e sobre a aplicação da Lei Complementar Federal nº 140, de 8 de dezembro de 2011, no âmbito do Estado de São Paulo.”
Na nova redação da ementa, cuja retificação publicada hoje tem o texto a seguir, foi suprimido todo o trecho destacado em vermelho tachado.
“Dispõe
em caráter específico e suplementar, nos termos dos artigos 23, III, VI e VII e 24, VI e parágrafos da Constituição Federal e nos termos dos artigos 191, 193, XVI, 194, parágrafo único, 197, 205, III, 209, 213, da Constituição do Estado de São Paulo,sobre o Programa de Regularização Ambiental – PRA das propriedades e imóveis rurais, criado pela Lei Federal no 12.651, de 25 de maio de 2012 e sobre a aplicação da Lei Complementar Federal no 140, de 8 de dezembro de 2011, no âmbito do Estado de São Paulo.”
No texto do veto parcial ao projeto de lei, assinado por Alckmin e elaborado pela Assessoria Técnico-Legislativa da Casa Civil, não consta nenhuma explicação à remoçando desse trecho no texto sancionado.
Resultado
Entre outras disposições, os artigos 23 e 24 da Constituição Federal estabelecem que os Estados não podem criar normas ambientais que reduzam medidas de preservação estabelecidas pela legislação federal, como aquelas que constavam no projeto de lei proposto por deputados ligados ao agronegócio, inclusive da bancada governista.
A remissão a artigos da Constituição Estadual, que também havia sido omitida e agora foi retomada, determina ao Estado estabelecer e aplicar sanções penais e administrativas nos casos e condutas lesivas ao meio ambiente, inclusive com multas diárias e progressivas, além da obrigação de os infratores recuperarem o meio ambiente degradado, de acordo com a solução técnica exigida pelo órgão público competente.
Judicialização
Em termos práticos, a primeira implicação dessas remissões se refletirá na regulamentação dessa lei por meio de decreto de Alckmin, detalhando sua aplicação. Na sequência, embora esses preceitos constitucionais já prevaleçam sobre toda a legislação, a falta da amarração explícita da nova lei a eles estimularia ações judiciais por parte de grupos ligados aos setores mais conservadores do agronegócio, permitindo a eles ganhar tempo enquanto o assunto ficaria sub judice.
Em outras palavras, o resgate dessas remissões desestimula a judicialização do Programa de Regularização Ambiental por aqueles que já haviam sido contrariados com as mudanças aprovadas pela Assembleia no projeto de lei e com os vetos do governador, que suprimiu por completo dois artigos e parcialmente outros seis que reduziriam ainda mais a proteção de áreas de vegetação nativa já definida na norma federal.
No dia 15, quando foram publicados a sanção dessa lei e seu veto parcial, perguntei ao Palácio dos Bandeirantes por que houve a supressão do trecho da ementa com as remissões sem nenhum esclarecimento no texto do veto parcial. A resposta, no final, veio na forma da retificação publicada hoje no DO, que é um reconhecimento de que houve erro, mas como se ele tivesse ocorrido por mero deslize burocrático.
No entanto, na semana passada, funcionários da Casa Civil, que preferem não ser identificados, informaram que essa retificação estava rendendo muitas discussões entre a Assessoria Técnico-Legislativa e a Secretaria do Meio Ambiente do Estado.
Desta vez não perderei tempo à espera de esclarecimentos do governo sobre como e por que aconteceram a supressão das remissões e seu resgate. Já disse ao Palácio dos Bandeirantes que se desta vez houver alguma explicação ela será bem-vinda e aproveitada.