A manchete da Folha nesta quarta-feira (11.fev) informa que o governo de São Paulo e a Sabesp têm um plano para a capital paulista e os municípios da região metropolitana conseguirem “atravessar o período de seca, de maio a setembro, sem rodízio”. Segundo a reportagem exclusiva dos jornalistas Fabrício Lobel e Gustavo Uribe, o “plano antirrodízio” exige a permanência até o fim deste mês do ritmo das chuvas na região nos últimos dias.
Na semana passada, poucos dias antes de sabermos por meio dessa reportagem que, segundo um assessor do governo paulista, “a Sabesp não jogou a toalha” para optar pela decisão drástica do rodízio, uma nota do Observatório do Clima informou que, na verdade, a boa notícia sobre as chuvas recentes é que elas podem prolongar a vida útil do sistema Cantareira, que passa pela pior crise de sua história.
Por outro lado, a nota destacou:
“A má notícia é que, se as chuvas até abril não vierem em volumes amazônicos, nem mesmo os chamados volumes mortos se recuperam: se chover na média, o sistema chegará em dezembro com apenas 15% de seu volume, esticando a crise hídrica para 2016.”
A informação do Observatório do Clima se baseia em análise do relatório divulgado na sexta-feira (6.fev) pelo Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais). Esse órgão do governo federal instalou recentemente uma rede de medidores de chuvas na região do Cantareira.
Com base nos registros desses instrumentos e no monitoramento que já fazia das chuvas nos rios que abastecem os reservatórios desse sistema, o Cemaden consegue estimar, por meio de modelagem de dados, o nível dessas represas até o final do ano.
Colapso
Ao mesmo tempo em que vemos o que se mostra como mais um esforço para evitar a todo custo a medida drástica do racionamento, a análise do Observatório do Clima destaca que mesmo com as chuvas que começaram a cair no Cantareira neste mês de fevereiro, a situação é “gravíssima”. E acrescenta
“Segundo os resultados da modelagem, se a precipitação até abril se mantiver no mesmo patamar do último trimestre de 2014, a água do chamado volume morto 2 —a proverbial raspa do tacho dos reservatórios— se esgota em 202 dias. Isso se nada for feito nesse período para trazer mais água a São Paulo, como a transposição do rio Paraíba do Sul, e se a Sabesp não fizer um racionamento radical.”
Em outras palavras, mesmo contando com uma severa contenção do consumo de água, se as chuvas não passarem a atingir e a manter níveis de pluviosidade “amazônicos”, como diz a ONG, a Grande São Paulo e seus cerca de 20 milhões de habitantes —o equivalente a 10% da população brasileira— chegarão ao final deste ano com o mesmo volume morto do Cantareira, esticando a crise hídrica para 2016.
O pior disso tudo nesse plano para atravessar sem rodízio o período de seca é a continuidade do agravamento do prejuízo para o potencial hídrico do sistema Cantareira, que até antes das recentes chuvas estava no rumo ao seu colapso.
Não há dúvida de que devem ser tomadas providências para evitar que o desabastecimento prejudique a população, inclusive com graves reflexos na economia. Mas serão necessários cuidados redobrados para que as escolhas políticas do governo não voltem a resultar em decisões temerárias, como no ano passado, no período eleitoral, com a protelação de medidas para redução efetiva do consumo de água.
Lamentavelmente, nem mesmo medidas concretas de orientação foram adotadas no primeiro semestre do ano passado para pelo menos mobilizar a população da Grande São Paulo na economia de água.
Rodízio tucano
O governo do Estado tenta inutilmente negar sua omissão. Usa em seus argumentos as entrevistas em que o governador Geraldo Alckmin na verdade amenizava a gravidade da situação e o dissimulado vídeo publicitário “Coragem, determinação e solidariedade”, com céus azulados, pessoas sorridentes e narração ufanista, exaltando que “paulista é aquele que nasceu para vencer, faça chuva ou faça sol”.
O mesmo argumento tem sido repetido ad nauseam para a imprensa por deputados estaduais da base governista, que se revezam em notas praticamente idênticas para martelar a negativa da omissão governamental.
Mas nem de longe esse “rodízio” de deputados tucanos considera que dirigentes da companhia de abastecimento paulista revelaram que foram impedidos no início de 2014 de orientar a população sobre a crise (“‘Orientação superior’ impediu alerta maior sobre crise, diz presidente da Sabesp”, 24.out).
Alerta
Na segunda-feira (9.fev), um evento organizado pela coalizão de entidades Aliança pela Água de SP destacou que o combate à crise hídrica exige não só transparência e diálogo com os diversos setores da sociedade, mas também:
“Comunicação com responsabilidade, considerando gestão de risco na divulgação de informações sobre os cortes no abastecimento visando minimizar situações de pânico;
Respeito aos direitos: regras claras de racionamento, preços justos para caminhões-pipa e água potável engarrafada.”
Enfim, não adiantará nada o governo paulista simplesmente adotar o racionamento ou “não jogar a toalha”, como disse o tal assessor. Nada disso dará certo sem transparência e diálogo, como afirma a Aliança pela Água de SP. Nem mesmo que as chuvas sejam ainda mais intensas, alcançando “volumes amazônicos”, como alerta o Observatório do Clima. Essa deveria ser uma das principais lições das mudanças recentes do ciclo climático no Sudeste.