O ciclo do carbono e os ‘céticos’ do clima

Por Maurício Tuffani

Nesta segunda-feira (16.fev) em que se completam dez anos desde a entrada em vigor do Protocolo de Kyoto em 2005, a Folha publica minha reportagem sobre os resultados até agora desse acordo cujo texto foi finalizado no Japão em dezembro de 1997. A matéria mostra o aumento das estimativas de emissões de gases estufa desde antes da vigência do primeiro período de metas desse acordo (2005-2012), no qual houve crescimento de 16,2%, em vez de reduções.

Um dos entrevistados, o físico Paulo Artaxo, professor da USP e membro do IPCC, que qualificou o aquecimento global como “o problema mais sério já enfrentado pela humanidade”, apontou também uma das consequências do aumento das emissões de carbono que geralmente não é mencionada quando se aborda esse assunto.

Trata-se da concentração do dióxido de carbono (CO2) nos oceanos, que, como disse Artaxo, pode causar causar desequilíbrios para a vida marinha. Como esse problema não foi o foco da reportagem, aproveito para trazer mais algumas informações, a começar pelas seguintes estimativas do ciclo do CO2 emitido pela ação humana desde o ano em que a COP (conferência das partes) de Kyoto estabeleceu o texto do protocolo. Os dados foram compilados pelo Global Carbon Project.

Ciclo-Global-Carbono_1997-2013

 

Essas estimativas foram produzidas por instituições de pesquisa como o Centro de Análise de Informações sobre o Dióxido de Carbono, do Laboratório Nacional Oak Ridge, e a Noaa (Administração Nacional Oceanográfica e Atmosférica), ambas dos Estados Unidos, entre outras.

Além dos arredondamentos decimais, a margem de erro desses dados, que chega a 0,8 bilhão de toneladas de toneladas de CO2 por ano a mais ou a menos, faz com que os totais anuais de emissões não sejam sempre iguais às somas de suas partes.

Os números mostram uma concentração contínua de CO2 nos oceanos, que já vem preocupando pesquisadores há algum tempo. Dissolvidas no mar, as moléculas dessa substância reagem com as de água, liberando cada vez  mais íons de hidrogênio, provocando aumento da acidez do meio aquático.

Impactos

Em 2003, por exemplo, em um relato de estudos publicado na revista científica britânica “Nature”, Ken Calderia e Michael Wickett, do Laboratório Nacional Lawrence Livermore, dos EUA, avaliaram a absorção oceânica de CO2 emitido a partir da queima de combustíveis fósseis pode resultar “em maiores variações de pH ao longo dos próximos séculos do que qualquer outra obtida a partir do registro geológico dos últimos 300 milhões de anos, com a possível exceção dos resultantes de eventos extremos, raros, como impactos catastróficos de bólidos”, ou seja de cometas ou asteróides.

Dez anos depois, o relatório “O Estado do Oceano 2013”, da IUCN (União Internacional para a Conservacão da Natureza), afirmou que alem de os riscos das mudanças ambientais globais aos ecossistemas marinhos terem sido por muito tempo subestimados, essas alterações estão se acelerando. E, referindo-se à acidificarão e ao aumento da temperatura média dos mares, destacou:

“Esse duplo efeito —acidificação e aquecimento— no oceano está combinando com níveis maiores da desoxigenação causada pelo escoamento de nutrientes provenientes da agricultura perto das regiões costeiras e pela mudança climática no mar, produzindo o que se tornou conhecido como o “trio mortal” dos oceanos, cujos impactos são potencialmente muito maiores por causa de sua interação. A escala e a velocidade dessa mudança não tem precedentes na história conhecida da Terra e está expondo os organismos a uma pressão evolutiva intolerável e imprevisível.”

Na avaliação desse e de muitos outros estudos, essas alterações ambientais já estão trazendo graves distúrbios para a vida marinha, entre elas a redução de populações de peixes, crustáceos e outros seres vivos. Os riscos atingem também o metabolismo geral de toda a cadeia marinha, desde o plâncton, que é sua base, afetando inclusive os estoques de pesca.

Negacionistas

Graças ao empobrecimento da linguagem em grande parte dos idiomas, nos últimos anos o uso da expressão “céticos do clima” tem sido tolerado até mesmo para designar aqueles que estão comprometidos com lobbies da indústria do petróleo e de grupos atrasados do agronegócio. Esses setores rejeitam a convicção do IPCC (Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas das Nações Unidas) sobre a origem antropogênica do aumento da temperatura média global e sua previsão de até 2100 ultrapassar 2ºC, podendo chegar a 4,5ºC.

Na verdade, esses lobbies e seus ventríloquos nada têm a ver com o ceticismo entendido como exercício desinteressado da dúvida.  Apoiados ironicamente por algumas tendências ultranacionalistas de esquerda, esses supostos “céticos” não passam de negacionistas das previsões de aumento global da temperatura médio global do planeta pelo fato de serem contrários às metas de redução da emissão de gases.

Independentemente de questionamentos exclusivamente científicos que podem e devem ser feitos aos estudos do IPCC, está mais do que na hora de o mundo entender que as ações propostas para reduzir as emissões crescentes de carbono pelo homem estão diretamente relacionadas à prevenção de várias alterações ambientais que trazem prejuízos cada vez maiores para a capacidade do planeta de atender às necessidades humanas.