O grupo editorial alemão Springer, um dos maiores do mundo na área acadêmica, abriu na recente sexta-feira 13 uma investigação sobre uma de suas revistas, a “Cell Biochemistry and Biophysics”. Em um comunicado em seu site, o publisher sediado em Berlim afirmou que “a integridade científica do periódico não pode ser garantida”, na medida em que uma apuração interna revelou “um padrão inadequado e comprometido” de seu processo de revisão de artigos científicos.
Um porta-voz do Springer afirmou que o grupo editorial não dará mais informações a respeito do assunto enquanto não for concluída a investigação sobre a revista, informou o blog norte-americano “Retraction Watch”, que monitora correções e retratações de artigos de revistas científicas.
O grupo Springer não pode ser comparado as editoras de reputação duvidosa que têm sido assunto deste blog. O post mais recente sobre isso foi “Pós-graduação brasileira aceita 201 revistas “predatórias'” (9.mar). [Atenção: a informação foi atualizada com o post “Sobe para 235 a lista de predatórios da pós-graduação brasileira” (3.abr)]
Mas constatei que com a “Cell Biochemistry and Biophysics” acontece também um fenômeno interessante que observei em algumas das publicações desses “publishers predatórios” em sua classificação no Qualis Periódicos, da Capes (Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior).
Ao mesmo tempo que recebeu A2, a segunda maior classificação no Qualis, a “Cell Biochemistry and Biophysics” obteve também o grau C, o mais baixo de todos, que se aplica a publicações que nem sequer atenderem a requisitos meramente formais de edição.
É importante observar também a pontuação 2,380 dessa revista no chamado fator de impacto, que é um indicador de qualidade referente à média de citações de artigos de um periódico. Comparado ao das publicações científicas brasileiras, esse número é superado apenas pelo da primeira colocada no ranking nacional, a “Diabetology & Metabolic Syndrome” (2,500), e com boa vantagem sobre a segunda colocada, que é a “Revista Brasileira de Psiquiatria” (1,638).
Para ter uma ideia do que significa da tabela acima, vale a pena ler o artigo “O Qualis e a rotina editorial dos periódicos científicos”, publicado na terça-feira (10.mar) pela revista “ComCiência”, da Unicamp, por Mônica Frigeri, professora na Puccamp, e por Marko Monteiro, do Instituto de Geociências da Unicamp. Copio aqui um trecho que explica isso.
“As classificações do Qualis são publicadas trienalmente, a partir de critérios definidos pelos comitês de áreas da Capes3, constituídos por membros da comunidade científica. Cada área possui os seus critérios na definição dos estratos dos periódicos que podem ser A1 (nível mais alto), A2, B1, B2, B3, B4, B5 e C (com peso zero).”
Isso significa que para alguns comitês assessores da Capes —entre eles dois de biologia— a “Cell Biochemistry and Biophysics” é muito boa, enquanto para outros —um deles também de biologia— a revista é muito ruim.
Incerteza
Em conversas minhas com alguns pesquisadores sobre casos de classificações esdrúxulas como essa, referentes a “periódicos predatórios”, e não à revista do Springer, houve uma piada recorrente, inspirada grosso modo na mecânica quântica. Grosso modo, essa teoria explica que a observação de um fenômeno é influenciada pelo próprio observador. (Uma boa abordagem sobre essa teoria está em “Partículas telepáticas”).
A piada é que, assim como na interferência na observação pelo próprio observador a que se refere a mecânica quântica, a avaliação de um periódico no Qualis parece também ser influenciada do olhar dos integrantes dos comitês assessores da Capes. Foram em média 20 consultores para cada um dos 48 comitês dessa agência do MEC na avaliação trienal do período 2010-2012, concluída em 2013.
Pode ser que a Capes, seus comitês assessores e muitos pesquisadores não vejam nada de engraçado nessa piada. O problema é que parece crescer cada vez mais a indignação dos que não vêm nada de sério nessa e em outras esquisitices do Qualis.
Leia também:
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“O Qualis e o silêncio dos pesquisadores brasileiros” (1.abr)
“A editora predatória e sua falácia da autoridade” (26.mar)
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