A editora predatória e sua falácia da autoridade

Por Maurício Tuffani

A editora nigeriana Academic Journals (não confundir com a Academic Journals Inc., que diz ser dos EUA, mas é do Paquistão) não gostou de eu ter incluído 13 de suas publicações nas reportagens “Pós-graduação brasileira aceita 201 ‘revistas predatórias'” (9.mar) e “Na ciência, o ruim para a Malásia é bom para o Brasil” (7.mar). Depois de ignorar as perguntas que enviei antes de escrever essas duas matérias, o publisher se manifestou, mas de uma forma deplorável.

Nesse post do dia 7, logo em seguida à lista das 13 revistas eu afirmei o seguinte.

“Uma consulta simples e aleatória a artigos dessas revistas mostra que é frequente a aceitação de trabalhos para publicação cerca de um mês após terem sido enviados por seus autores.
Com os periódicos mais prestigiados —sejam eles de acesso livre na internet ou cobrado— esse prazo leva vários meses e pode ultrapassar um ano. O processo envolve diversas etapas, como avaliação prévia pelos editores, análise por um ou mais consultores e posterior revisão. Sem falar no retorno aos autores para esclarecimentos ou correções e outras providências, quando não há recusa.”

Em outras palavras, essa editora frequentemente aceita artigos com uma rapidez incompatível com os padrões das publicações acadêmicas bem conceituadas.

Constatei isso pessoalmente, independentemente de a Academic Journals estar classificada como “publisher predatório” na lista do blog “Scholarly Open Access”, do biblioteconomista Jeffrey Beall, professor da Universidade do Colorado em Denver, e de estar na lista negra da política para bolsas e auxílios à pesquisa do Ministério do Ensino Superior da Malásia.

Carteirada

Em vez de contestar o mérito de meus argumentos, esse publisher, que também não é associado ao Cope (Comitê de Ética na Publicação, na sigla em inglês), apelou para uma tentativa de “carteirada”, enviando o link de uma página da Unesco que o aponta entre as organizações envolvidas no enfrentamento de dificuldades para a atividade de comunicação científica na Nigéria.

Em primeiro lugar, a abordagem da Unesco nesse documento não é reconhecimento de qualidade editorial. E, para deixar de lado essa tentativa primária de se afiançar no prestígio das Nações Unidas, a Academic Jornals não está listada entre as organizações-chave para o desenvolvimento do Open Access apontadas por esse órgão.

A estratégia de arguição empregada pelo publisher nigeriano é conhecida em lógica como falácia do argumento da autoridade —ou Argumentum ad verecundiam, em sua antiga formulação latina. Há alguns dias ele também apelou outra, a falácia contra a pessoa —ou Argumentum ad hominem—, ao tentar desqualificar Jefrey Beall apontando opiniões contrárias ao trabalho desse blogueiro, biblioteconomia e professor.

Caso a caso

Assim como em relação a qualquer outro especialista, não acho que o trabalho de Beall com sua lista deva ser considerado a palavra final sobre um publisher e seus periódicos. Mas é temerário deixar de pelo menos usar as informações produzidas por ele como ponto de partida para uma avaliação caso a caso. Aliás, como ele mesmo recomenda.

Recomendo aos leitores interessados nesse assunto que verifiquem por sua própria conta, aleatoriamente, artigos publicados em revistas da Academic Journals, especialmente nas 13 que indiquei por serem classificadas no Qualis Periódicos. A base de dados da Capes que orienta pesquisadores, professores e pós-graduandos brasileiros a escolher publicações para seus artigos.

Exemplos

Se fizerem essa verificação, constatarão não só vários exemplos de artigos aceitos em menos de dois meses após terem sido propostos por seus autores, mas também alguns casos ainda mais exagerados, como os seguintes:

“The role of nitric oxide in alendronate-mediated acceleration of gastric emptying and gastrointestinal transit in rats”, na edição deste mês do “African Journal of Pharmacy and Pharmacology”.
Recebido no dia 3 e aceito no dia 11.
Ou seja, aprovado em oito dias.

“Alkaloid constitution of Nerium oleander using gas chromatography-mass spectroscopy (GC-MS)”, na edição deste mês do “Journal of Medicinal Plants Research”.
Recebido no dia 27 de janeiro e aceito no dia 10 de fevereiro.
Ou seja, aprovado em 14 dias.

Não questiono a qualidade desses artigos e de outros em periódicos dessa editora nem das pesquisas que resultaram em sua publicação.

No caso de estudos de brasileiros, como o primeiro exemplo, trata-se de trabalhos quase sempre desenvolvidos às custas de salários e outras despesas pagas com recursos públicos e que acabam sendo desperdiçados ao serem publicados em periódicos desprestigiados pela comunidade científica internacional. Esse é o ponto.


Leia também:

“Sobe para 235 a lista de predatórios da pós-graduação brasileira” (3.abr)

“O Qualis e o silêncio dos pesquisadores brasileiros” (1.abr)