Estava prevista para ser votada na Câmara dos Deputados nesta terça-feira, 7 de abril, Dia do Jornalista, uma proposta de emenda constitucional para tentar reabilitar no Brasil a obrigatoriedade da formação superior em jornalismo para o exercício dessa profissão. Até o momento, porém, a ordem do dia não incluía essa PEC.
Hoje a Folha apresenta o ótimo artigo “Uma ideia fora do lugar”, de Patricia Blanco, que comenta essa iniciativa de tentar fazer nosso país não só voltar a ser um dos poucos em que essa exigência ainda existe —entre eles África do Sul, Arábia Saudita, Congo, Costa do Marfim, Croácia, Equador, Honduras, Indonésia, Síria, Tunísia, Turquia e Ucrânia—, mas também a ser o único do mundo a ter essa obrigatoriedade em sua Constituição.
Eu já escrevi muito a respeito desse assunto, inclusive na Folha. Em novembro de 2010 o jornal publicou meu artigo “PEC do diploma e desonestidade científica”, no qual destaquei alguns dos tópicos discutidos nas sessões legislativas sobre essa proposta. Uma espécie de consolidação de minhas considerações sobre esse tema é está em “Os defensores do diploma e seus debates imaginários”.
Desde ontem, por razões pessoais estou impossibilitado de dedicar tempo suficiente ao teclado para fazer uma nova reflexão sobre o assunto. Mas aproveito para reproduzir uma compilação que eu mesmo já havia feito de opiniões relevantes sobre a questão.
Algumas das fontes abaixo citadas a seguir, inclusive seus links, podem estar desatualizadas. Na medida do possível tentarei corrigir o que eventualmente venha a ser necessário.
“Uma conseqüência inevitável do fim do diploma de jornalista obrigatório seria uma enxugada vigorosa na quantidade de faculdades privadas de jornalismo.
A exigência do diploma específico fez surgir no Brasil uma quantidade de cursos fáceis para quem pode pagar, que jogam anualmente no mercado uma quantidade de profissionais com mínimas possibilidades de emprego. Claro, há instituições de alto nível, como a nossa [Pontifícia] Universidade Católica. Mas não faltam arapucas, que só prosperam graças à exigência do diploma em comunicação.”
Luiz Garcia (jornalista e colunista de “O Globo”) em “Tiro na pata”, O Globo, 29/07/2008.
“Acredito que hoje o diploma represente uma reserva de legitimação dos sindicatos. É claro que os sindicatos tiveram uma importância histórica nas lutas políticas e vão continuar a ter, mas também considero que devemos passar por um momento de mudança dessa mentalidade, porque quem faz jornalismo hoje não é só jornalista. Nós temos vários outros grupos sociais produzindo jornalismo. (…) Creio que o diploma já foi importante, mas não é mais. As escolas de comunicação precisam vender qualidade e não reserva de mercado para um determinado profissional. (…) Se a exigência do diploma acabasse amanhã, os cursos de comunicação continuariam iguais. Os cursos que fazem a diferença dentro da formação desse profissional continuam formando profissionais de qualidade. O que muda e o que acaba são os cursos que realmente vendiam apenas o diploma.”
Ivana Bentes de Oliveira (professora da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro) na entrevista “É restritivo demais pensar só no jornalismo como centro da discussão midiática” (IHU Online, 26/03/2008).
“Na minha avaliação, levando em conta as complexidades e liberdades do mundo atual, e o que ele exige do jornalismo, o ingresso na profissão de jornalista deveria ser acessível a quaisquer cidadãos no pleno uso dos seus direitos, desde que provem ter formação superior concluída (com exceção das atividades em que tal exigência seja descabida). Precisariam, porém, passar por um período de estágio ou experiência probatória (no mínimo seis meses, no máximo um ano), com a devida remuneração, e com a obrigação de nesse período fazerem estudos sobre jornalismo, com orientação pedagógica.”
Carlos Chaparro (professor da Escola de Comunicações e Artes da USP) no artigo “O diploma não pode ser o eixo da discussão” (“Comunique-se”, 11/8/2006).
“Luiz Beltrão localizou na carga de conhecimentos o principal atributo do jornalismo, e para superar a falta de conhecimento, diante de um mundo cada vez mais exigente em saberes especializados, propôs a instituição dos cursos de jornalismo. Mas o resultado dessa experiência, praticamente única no mundo, foi constrangedor. O saber e a auto-estima dos jornalistas não aumentaram; ao contrário, caíram ainda mais. E a vocação deixou de ser critério para o ofício de jornalista. Vocação vem do latim vocare. Designa, mais que talento, um chamado interior sobre o qual não se tem controle, uma urgência de fazer algo.”
Bernardo Kucinski (professor da Escola de Comunicações e Artes da USP, ex-assessor especial da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República) em “Jornalismo na Era Virtual: Ensaios sobre o colapso da razão ética”. (Editora da Unesp e Fundação Perseu Abramo, São Paulo, 2005, pág. 103.)
“A tendência geral das sociedades contemporâneas para exigirem uma elevação dos níveis de estudos atingiu, naturalmente, o jornalismo, embora, com uma diferença notória em relação às profissões que requerem um diploma específico. O acesso ao jornalismo faz-se com recurso a cursos de comunicação ou jornalismo, mas também com base em outros cursos superiores ou universitários, acompanhados de formações ou pós-graduações específicas na área.”
José Viegas Soares (coordenador). “Implantação do processo de Bolonha a nível nacional: Comunicação”. Escola Superior de Comunicação Social, Instituto Politécnico de Lisboa, Lisboa, 30/11/2004, pág. 40.
“O primeiro problema para o jornalismo de precisão no Brasil será superar um sistema muito rígido que é feito para resistir à inovação. A maior barreira que vejo, de minha perspectiva norte-americana, é a lei que exige que os jornalistas sejam formados em escolas de jornalismo. Essa lei dá às escolas um mercado garantido e as priva do incentivo de fazer melhor as coisas. Sem a lei, as escolas teriam que visivelmente adicionar valor às habilidades existentes de seus estudantes para que pudessem sobreviver. Uma escola profissional deve ser a fonte da inovação e do desenvolvimento para a profissão a que serve. Mas, com um mercado cativo, não há necessidade de que ela faça nada além de assinar certificados de conclusão.”
Philip Meyer (professor de jornalismo da Universidade de Carolina do Norte em Chapell Hill e autor dos livros “Precision Journalism” e “The Vanishing Newspaper”) em entrevista ao jornalista Marcelo Soares, hoje profissional da Folha, citada em sua monografia de graduação “Contribuição ao estudo das condições brasileiras para o uso das técnicas de reportagem auxiliada por computador (Computer-Assisted Reporting)”, apresentada em 2004 à Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, sob a orientação da professora Rosa Nívea Pedroso.
“A pergunta que as pessoas deviam fazer não é por que alguém se diz jornalista. O ponto importante é se esse alguém está de fato fazendo jornalismo. Será o trabalho o respeito aos princípios da verdade, à lealdade aos cidadãos e à comunidade de modo geral, a informação no lugar da manipulação — conceitos que fazem o jornalismo diferentes das outras formas de comunicação? A implicação importante disso tudo é esta: o significado de liberdade de expressão e de liberdade de imprensa é que eles pertencem a todos. Mas comunicação e jornalismo não são termos mutáveis. Qualquer um pode ser jornalista, mas nem todos o são. O fator decisivo não é que tenham um passe para entrar e sair dos lugares; o importante está na natureza do trabalho.”
Bill Kovach (professor de jornalismo da Universidade de Missouri e ex-curador da Fundação Nieman, na Universidade Harvard) e Tom Rosenstiel (diretor do Programa para Excelência do Jornalismo e ex-crítico de mídia do jornal “Los Angeles Times”) em “Os Elementos do Jornalismo: O que os jornalistas devem saber e o que o público deve exigir”. (Tradução de Wladir Dupont, Geração Editorial, São Paulo, 2003, pág. 151.)
“Todo mundo precisar ir à escola de Jornalismo? Claro que não. Mas nestes dias, quando a maioria das redações não investe muito tempo em treinamento, as escolas não são irrelevantes. A questão então é: o que os jornalistas precisam saber e quanto se pode esperar que as escolas ensinem?”
Brent Cunningham (professor da Escola de Jornalismo da Universidade Colúmbia, em Nova York, e editor-executivo da revista “Columbia Journalism Review”) em “Searching for the Perfect J-school”, “Columbia Journalism Review”, nov/dez 2002, tradução do “Observatório da Imprensa”.
“Com o entusiasmado apoio dos sindicatos de jornalistas, criou-se uma reserva de mercado que, a rigor, só serviu para encher os bolsos dos donos das escolas de comunicação e despejar às portas das redações uma atônita peonada de canudo em punho, que, salvo as raras e proverbiais exceções, passou pelo menos quatro anos de vida sem aprender nem a profissão nem o bê-á-bá do vasto mundo de que ela se ocupa.”
Luiz Weis, jornalista, em “Luz no fim do canudo” (“Observatório da Imprensa”, 07/11/2001).
“A excepcionalidade de que goza o jornalismo, dentre as instituições democráticas, consiste em que seu poder não repousa num contrato social, numa delegação do povo por eleição ou por nomeação com diploma ou por voto de uma lei impondo normas. Para manter seu prestígio, e sua independência, a mídia precisa compenetrar-se de sua responsabilidade primordial: servir bem à população.”
Claude-Jean Bertrand (1934-2007, professor do Instituto Francês de Imprensa, da Universidade de Paris II) em seu livro “A Deontologia das Mídias”. (Tradução de Leonor Loureiro. Editora da Universidade do Sagrado Coração, Bauru, 1999, págs. 22-23.)
“Não gosto disso [a obrigatoriedade do diploma de jornalismo no Brasil]. Menos da metade dos jornalistas do Post estudaram em escola de jornalismo. Se você me perguntar quem eu contrataria para trabalhar aqui, entre um jovem saído de Amherst College, com uma boa formação humanística e geral, ou uma pessoa com um diploma da escola de jornalismo da Universidade de Arizona, escolherei sempre o candidato de Amherst College, mesmo que ele ou ela não saiba muito sobre jornalismo. Isso, eu ensinarei a eles, na redação.”
Benjamin Bradlee (1921-2014, editor-chefe do jornal The Washington Post de 1968 a 1991, responsável pela cobertura do Caso Watergate) em entrevista a Paulo Sotero (“O homem que derrubou o presidente dos EUA“, “O Estado de S. Paulo”, 30/10/1999, Caderno 2).
“O jornalismo é uma ‘profissão aberta’, que não exige formação específica ou diploma. Sua definição é tautológica: é considerado jornalista quem exerce sua atividade principal na imprensa escrita ou nos meios de comunicação audiovisuais. Mais precisamente, são reconhecidos como jornalistas os agentes da mídia, independentemente dos meios ou técnicas de expressão utilizados, que satisfaçam três critérios: a concepção e realização de uma produção intelectual, uma relação deste trabalho com a informação, além do critério de atualidade.”
Daniel Cornu (professor do Instituto de Jornalismo e Comunicação, da Universidade de Neuchâtel, de Lausanne, e diretor do Centro Franco-Suíço de Formação de Jornalistas, de Genebra) em seu livro “Ética da Informação”. (Tradução de Laureano Pelegrin, Editora da Universidade do Sagrado Coração, Bauru, 1998, pág. 19.)
“Nuestro problema no es, por tanto, salir a pelear con los periodistas que afirman que la formación académica no es necesaria, pues nos podrían echar en cara muchas cosas en las que tendrían toda la razón. Y si, además, García Márquez viene a decirles que eso es verdad, que él aprendió a hacer periodismo en la bohemia bogotana, en los cafetines… ¿cómo se sale del enredo?”
Jesús Martín-Barbero (professor, pesquisador e autor de diversos livros de jornalismo, ex-presidente da Asociación Latinoamericana de Investigadores de la Comunicación — ALAIC e da Federación Latinoamericana de Facultades de Comunicación Social — FELAFACS), em “Las facultades de comunicación no pueden renunciar a un proyecto de país”, entrevista a “Sygno y Pensamiento”, 1997, nº 31, pág. 52.
“La mayoría de los graduados llegan con deficiencias flagrantes, tienen graves problemas de gramática y ortografía, y dificultades para una comprensión reflexiva de textos. Algunos se precian de que pueden leer al revés un documento secreto sobre el escritorio de un ministro, de grabar diálogos casuales sin prevenir al interlocutor, o de usar como noticia una conversación convenida de antemano como confidencial. Lo más grave es que estos atentados éticos obedecen a una noción intrépida del oficio, asumida a conciencia y fundada con orgullo en la sacralización de la primicia a cualquier precio y por encima de todo. No los conmueve el fundamento de que la mejor noticia no es siempre la que se da primero sino muchas veces la que se da mejor. Algunos, conscientes de sus deficiencias, se sienten defraudados por la escuela y no les tiembla la voz para culpar a sus maestros de no haberles inculcado las virtudes que ahora les reclaman, y en especial la curiosidad por la vida.”
Gabriel García Márquez (1927-2014), “El Mejor Oficio del Mundo”, 52ª Asamblea de la Sociedad Interamericana de Prensa (SIP), Los Angeles, 17/10/1996.
“Enfim, o direito à informação — direito do povo a ser informado, com fidelidade, pelos profissionais do jornalismo — há de ser atendido livremente por pessoas argutas, inteligentes, cultas e dotadas de qualidades comunicativas (escrita, fala, boa expressão), com a condição de que (ao transmitirem notícia sobre fatos e fenômenos objeto de conhecimento específico de profissões regulamentadas) sua interpretação e explicação de provirão de profissionais formalmente qualificados (diplomados), a que deverá reportar-se os jornalistas. É desse modo que se obedece ao art. 5º, XIII da Constituição. (…) A interpretação que propomos mostra que o Brasil é um estado de direito democrático, com responsabilidades definidas e proteção a valores sociais e individuais fundamentais, como se dá em todos os países civilizados, que adotam princípios semelhantes, e que jamais cogitaram de — como o fez, para nossa vergonha, a Junta Militar — exigir diploma para exercício da profissão de jornalista.”
Geraldo Ataliba (1936-1995, professor de direito tributário e direito constitucional da USP e da PUC-SP, da qual foi reitor de 1972 a 1976) em parecer citado na sentença de 18/12/2002, da juíza Carla Abrantkoski Rister, 16ª Vara Cível Federal de São Paulo, Processo nº 2001.61.00.025946-3, págs. 27-33.
“La censura previa, las restricciones a la circulación de los medios o a la divulgación de sus mensajes, la imposición arbitraria de información, la creación de obstáculos al libre flujo informativo y las limitaciones al libre ejercicio y movilización de los periodistas, se oponen directamente a la libertad de prensa.”
Declaración de Chapultepec. International Center for Journalists (ICJ), México, DF, 11 de marzo de 1994, artigo 5º.
“Não deixa de ser irônico que os mais encarniçados defensores da obrigatoriedade do diploma para o exercício da profissão pertençam aos mesmos grupamentos ideológicos que sustentam posições xenófobas e condenam a hegemonia dos princípios do jornalismo dos EUA no Brasil. (…) No geral, ‘as novas dimensões do jornalismo’, como as classificou Celso Kelly, autor de um currículo mínimo obrigatório do Conselho Federal de Educação para os cursos de jornalismo, foram definidas pelos autores americanos ingênuos das décadas de 1930 a 1950 e reproduzidas acriticamente por escritores brasileiros como o próprio Kelly, Luiz Beltrão, Mário Erbolato e outros.”
Carlos Eduardo Lins da Silva (Jornalista, foi ombudsman e diretor adjunto da Folha, diretor-adjunto do “Valor Econômico” e professor da Escola de Comunicações e Artes da USP) em seu livro “O Adiantado da Hora: A influência americana sobre o jornalismo brasileiro”. (Summus Editorial, São Paulo, 1991, págs. 84-85.)
“La corte es de opinión: Primero, por unanimidad, que la colegiación obligatoria de periodistas, en cuanto impida el acceso de cualquier persona al uso pleno de los medios de comunicación social como vehículo para expresarse o para transmitir información, es incompatible con el artículo 13 de la Convención Americana sobre Derechos Humanos. Segundo, por unanimidad, que la Ley nº. 4420 de 22 de setiembre de 1969, Ley Orgánica del Colegio de Periodistas de Costa Rica, objeto de la presente consulta, en cuanto impide a ciertas personas el pertenecer al Colegio de Periodistas y, por consiguiente, el uso pleno de los medios de comunicación social como vehículo para expresarse y transmitir información, es incompatible con el artículo 13 de la Convención Americana sobre Derechos Humanos”.”
Corte Interamericana de Derechos Humanos, Opinión Consultiva OC-5/85, 13/11/1985.
“A imprensa, ao apontar novas possibilidades de carreira, pode ajudar a quebrar o círculo vicioso causado por uma avaliação exagerada dos graus universitários. Enquanto as pessoas continuarem acreditando que o grau universitário será garantia absoluta para uma ocupação de status, e enquanto também algumas poucas ocupações forem vistas como prestigiosas, haverá, com certeza, frustração pessoal, desemprego de intelectuais e escassez de talentos para muitos empreendimentos novos, essenciais ao desenvolvimento.”
Lucien W. Pye (professor emérito de ciência política do Instituto de Tecnologia de Massachusetts — MIT, onde foi diretor do Centro de Estudos Internacionais) no artigo “Comunicação, formação de instituição e o alcance da autoridade” in: Daniel Lerner & Wilbur Schramm (orgs.), “Comunicação e Mudança nos Países em Desenvolvimento”. (Tradução de Maria Heloiza Schabs Capelatto, Edições Melhoramentos & Editora da Universidade de São Paulo, São Paulo, 1973, pág. 55.)
“Restrictions on the free entry to the field of journalism or over its practice, through licensing or other certification procedures, must be eliminated.”
Charter for a Free Press. World Press Freedom Committee, London, 1987, Principle 5.
“Para ser jornalista é preciso ter uma formação cultural sólida, científica ou humanística. Mas as escolas são precárias. Como dar um curso sobre algo que nem eu consigo definir direito? Trabalhei quarenta anos em jornal e acho muito difícil definir o que meia dúzia de atrevidos em Brasília definem como curso de jornalismo. Foi o que fez o patife do Gama e Silva (ministro da Justiça do governo Costa e Silva), que elaborou a lei para tirar os comunistas dos jornais.”
Cláudio Abramo (1923-1987), em seu livro “A Regra do Jogo”. (Companhia das Letras, São Paulo, 2002, pág. 247.)