Há exatamente um ano, a estatal de abastecimento de água do governo paulista Sabesp divulgava por seu site “Situação dos Mananciais” que o índice de armazenamento do sistema Cantareira era de 15,7%. Nesta quinta-feira (29.jul), a companhia indica que é de 18,8% o percentual calculado da mesma forma que esse apresentado em 2014, correspondente ao “índice 1” no quadro abaixo.
Então, como o índice atual é maior, estamos em situação melhor, certo? Não, não estamos.
Apesar de o percentual de um ano atrás ser menor que o seu correspondente de hoje, a quantidade de água que falta além do volume útil do Cantareira é hoje mais do que o triplo do que faltava naquela data. Em números absolutos, o déficit desse conjunto de reservatórios é hoje de 102,8 bilhões de litros, e há exatamente um ano era de 28,9 bilhões de litros.
Se o gráfico de 29 de julho de 2014 já mostrasse o indicador negativo de armazenamento, correspondente ao de -10,5%, ele seria de -2,9%. A barra vermelha do gráfico abaixo da linha do zero teria um comprimento menor que um terço da exibida hoje.
Desinformação
A Sabesp foi finalmente questionada em fevereiro deste ano pelo Ministério Público do Estado de São Paulo sobre a forma distorcida como calculava o índice de armazenamento do Cantareira. Na interpelação, a promotoria, recomendou divulgar percentuais negativos em comparação com o volume útil já esgotado.
Um dos fundamentos dessa orientação foi claramente expresso na seguinte afirmação a este blog de Antonio Carlos Zuffo, professor de engenharia hidráulica da Unicamp, sobre o indicador usado pela estatal paulista.
“Essa forma que está sendo empregada para informar à sociedade o armazenamento do Cantareira equivale a um extrato bancário que não mostra o saldo devedor de uma conta corrente que está negativa no cheque especial.”
(“Índices do Cantareira desinformam população, dizem pesquisadores”, 5.fev)
Nesse mesmo post, mostrei também a posição de Jefferson Nascimento de Oliveira, docente da Unesp de Ilha Solteira, para quem os percentuais diários da companhia sobre o nível do Cantareira divulgados pela companhia
“mascaram e atenuam a gravidade não só da disponibilidade de água nesse sistema, mas também do comprometimento da sua segurança de seu potencial de produção hídrica. O sistema está sob o risco de colapso”.
Distorção
Pressionada pelo questionamento do promotor de Justiça Ricardo Castro Júnior, coordenador do Núcleo Cabeceiras do Gaema (Grupo de Atuação Especial de Defesa do Meio Ambiente), a Sabesp passou a exibir a partir de 16 de março em seu site mais um indicador, pelo menos sem o estratagema distorcedor até então usado desde que começou a usar o volume morto do Cantareira.
Na fração do cálculo dos percentuais que vinha divulgando, a estatal usava como numerador o armazenamento com o volume acrescido por bombeamento, mas mantinha o mesmo denominador que já usava antes de começar a usar as águas mais profundas.
Matematicamente, usar essa forma distorcida de cálculo equivale a despejar a água de um balde em um outro, de capacidade maior, e afirmar que o percentual de volume de líquido no segundo recipiente é igual ao do que havia no primeiro. (Alegações insólitas da empresa sobre seus procedimentos de cálculo já foram mostradas no post “Sabesp expõe precariedade de seu índice do Cantareira“, de 18.mar.)
O “Índice 2” pelo menos considera como denominador na sua fração de cálculo o acréscimo do chamado volume morto, resultando num percentual matematicamente correto —e menor. Mas não basta para uma informação útil à ampla conscientização da sociedade. Essa representação não serve para mostrar claramente para a população em geral quanto já está comprometido além da capacidade útil do sistema.
Na marra
O Ministério Público considerou insatisfatória a apresentação do “índice 2” e instaurou ação judicial. Em 16 de abril, um mês depois de começar a usar o “índice 2”, a Sabesp foi obrigada pelo juiz Evandro Carlos de Oliveira, da 7ª Vara da Fazenda Pública do Estado de São Paulo, a divulgar o percentual de armazenamento negativo do Cantareira.
Em vez de mostrar esse quadro “escolha seu percentual”, seria muito melhor se a Sabesp divulgasse somente o índice negativo, complementado apenas pela informação de quanto resta do volume morto. E seria melhor ainda se a estatal do governo de São Paulo se dignasse a atualizar os gráficos diários do sistema no site “Situação dos Mananciais” desde o início de julho do ano passado, quando o armazenamento passou a ser negativo.