Enganar cientistas também é fácil

Por Maurício Tuffani
O biólogo molecular e jornalista John Bohannon, em conferência em Nova York em abril de 2012. Imagem: Luyo/Creative Commons/Reprodução
O biólogo molecular e jornalista John Bohannon, em conferência em Nova York em abril de 2012. Imagem: Luyo/Creative Commons/Reprodução

A Folha trouxe ontem (domingo, 9.ago) a instigante reportagem “Enganar jornalista é fácil, diz cientista”, feita por Gabriel Alves, que entrevistou co biólogo e também jornalista John Bohannon. A matéria mostra com muita propriedade como a imprensa pode “comprar gato por lebre” na cobertura de temas de ciência quando não recorre a procedimentos básicos de verificação das informações que recebe de suas fontes.

Bohannon conseguiu fazer vários jornais, revistas e sites de diversos países caírem numa cilada que os levou a dar a notícia falsa de que o chocolate poderia ser usado em dietas para emagrecimento. Após revelar a armadilha, ele afirmou que seu objetivo principal foi mostrar que mesmo na imprensa especializada existe o problema da falta de critérios adequados de verificação e apuração.

Vários cientistas que conheço já me enviaram ontem por e-mail, WhatsApp e outros canais o link dessa reportagem. Foi claro o tom de provocação amigável, por eu ser jornalista da área de ciência. De minha parte, eu não só me divirto, mas acho ótimo quando quando são feitas matérias sobre falhas do chamado “jornalismo científico” —aliás, nunca gostei dessa expressão—, e sei que o mesmo acontece com muitos colegas dessa área que têm uma visão muito crítica dela.

Mas Bohannon já mostrou que problemas sérios de apuração acontecem também como a chamada comunicação científica, aquela atividade editorial que é realizada por meio dos periódicos acadêmicos,  que mantém cientistas experientes em suas equipes editoriais.  Ele também é colaborador, como correspondente em Berlim, da revista “Science”, publicada pela AAAS (Associação Americana para o Avanço da Ciência), dos Estados Unidos.

Cilada

De periodicidade semanal, a “Science” também possui uma seção de notícias feitas por jornalistas. E foi nela que em outubro de 2013 Bohannon publicou sua reportagem  “Who’s afraid of the peer-review?” (“Quem tem medo da avaliação por pares?”, em inglês), informando que de janeiro a agosto daquele ano ele enviara para 304 periódicos versões diferente de um mesmo artigo, com nomes fictícios de autores e até de instituições de pesquisa, contendo erros graves de informação.

Essa cilada de Bohannon foi noticiada pela Folha por Reinaldo José Lopes (“Cresce número de artigos científicos ‘despublicados’ por fraude ou erro”, 30.out.2013).

Das 304 revistas que receberam o paper, 29 não responderam e, na verdade, mostraram não estar mais em atividade, mantendo apenas sites abandonados por seus criadores. Dos 255 periódicos que efetivamente se manifestaram, 98 (38,4%) rejeitaram o trabalho proposto, levando em média 24 dias para se pronunciar.

Sem revisão

Na avaliação de Bohannon, esse tempo médio de resposta foi uma “boa notícia’ por mostrar que, em grande parte das revistas que rejeitaram o paper, os editores recusaram rapidamente o trabalhos, sem perder tempo mandando-o para a revisão pelos consultores de seu comitê editorial.

Por outro lado, o cientista e jornalista contabilizou 157 periódicos (61,6% dos 255) que confirmaram a aceitação do paper. Esse resultado, segundo ele, evidencia que na maior parte dessas aceitações praticamente não houve nenhum sinal de uma revisão legítima. Lamentavelmente, isso aconteceu também com revistas de editoras acadêmicas de boa reputação.

Durante muito tempo pesquisadores tiveram razão por atribuir praticamente toda a responsabilidade à imprensa pelo erros nas notícias sobre novidades do mundo da ciência. Nas últimas décadas a própria comunidade científica, por meio de suas publicações especializadas, passou a ser também fonte de desinformação, com o número crescente de erros, inclusive por fraude, em artigos publicados em revistas acadêmicas, até mesmo entre aquelas de maior prestígio.

Isso não deve servir como álibi para os jornalistas que cobrem essa área. Pelo contrário, é mais uma razão para reforçar os procedimentos de apuração e verificação das informações a serem noticiadas.