Informações privilegiadas de ciência e bolsas de valores

Por Maurício Tuffani
Operador da Bolsa de Valores de Nova York. Imagem: Justin Lane/Efe
Operador da Bolsa de Valores de Nova York. Imagem: Justin Lane/Efe

O blog “Embargo Watch” é especializado no acompanhamento dos comunicados para a imprensa sobre novidades da ciência, inclusive da pesquisa médica, com data e horário de liberação para publicação previamente definidos. São os chamados relesses embargados, que também são usados em outras áreas, principalmente economia e negócios.

Na terça-feira (11.ago), o blog fez a seguinte observação sobre uma advertência que é automaticamente veiculada em todas os releases embargados enviados diariamente a milhares de jornalistas de ciência de todo o mundo pela agência Eurekalert.org, da AAAS (Associação Americana para o Avanço da Ciência), dos Estados Unidos.

“Por favor, observe também que qualquer pessoa que utilize para fins comerciais informações embargadas pode incorrer em violação da Lei de Valores Mobiliários.”

O post “Press releases de US$ 30 milhões: quebras de embargo para diversão, lucro e processos criminais” é do jornalista Ivan Oransky. Ele também é vice-presidente e diretor editorial do portal de notícias médicas “MedPage Today” e um dos editores de outro blog, o “Retraction Watch”, que monitora retratações de artigos publicados em periódicos científicos.

Referindo-se a essa advertência dos releases da Eurekalert, Oransky afirmou em seu post:

“Se você já se perguntou do que se trata, hoje uma notícia da Associated Press (AP) explica isso em detalhes impressionantes.”

Crime

Veiculada no mesmo dia, a notícia da AP informou que a agência federal SEC (Comissão de Valores Mobiliários), dos EUA, acusou nove pessoas do país e da Ucrânia de integrarem um esquema criminoso de hackers e corretores de valores que teria rendido para o grupo US$ 30 milhões pelo uso em Wall Street de informações de releases antes do fim do prazo de embargo.

Oransky destacou que os releases embargados envolvidos na operação dos hackers e executivos são de agências especializadas de divulgação nas áreas de medicina e ciência, mas não da Eurekalert.org nem de serviços de divulgação de periódicos tradicionais que emitem esse tipo de comunicados à imprensa, entre eles a revista “Science” e suas afiliadas, também da AAAS.

Brecha

No entanto, o blogueiro observador de embargos e retratações científicas ressaltou que apesar de esses periódicos tradicionais não terem sido envolvidos no processo criminal, muitos deles —principalmente na área da pesquisa de medicamentos, que tem grandes impactos financeiros— não fazem advertências semelhantes à da Eurekalert nem à dos seguintes termos de condições para divulgação da revista britânica “Nature” e suas afiliadas.

“Você concorda e reconhece que qualquer conteúdo pode conter informações sensíveis ou confidenciais ainda não divulgadas ao público. Usar, compartilhar ou divulgar tais conteúdos para os terceiros em conexão com títulos de negociação ou de venda pode ser uma violação de informação privilegiada sobre negociação ou venda de valores mobiliários e sujeitar a multas e prisão, nos termos de leis de vários países, inclusive, mas não apenas, a Lei de Serviços e Mercados do Reino Unido, de 2000, e a Lei de Segurança de Valores Mobiliários dos EUA, de 1934.”

Esse caso de violação para uso de informações privilegiadas não tem nada a ver com os casos de quebra de embargo de notícias de ciência pela imprensa motivadas por razões exclusivamente jornalísticas, como foi o caso do anúncio da clonagem da ovelha Dolly em 1997. Mas é bom os editores ficarem espertos e atentos —mesmo quando não houver advertências como a da Eurekalert e a das revistas da “Nature”.