Basta publicar qualquer notícia sobre os efeitos negativos do tabaco para a saúde e rapidamente entra em ação um enérgico trabalho de contra-informação em defesa dos interesses da indústria fumageira. Foi assim há quase um ano com meu post “Apoio de álcool, fumo e agrotóxicos espanta eleitor, diz pesquisa”, (3.out.2014) e também há poucas semanas com “Estudo mapeia testemunhos médicos pagos pela indústria do tabaco” (2.set).
Por curiosidade e dever de ofício, tentei identificar quais das referências mencionadas nas contestações aos estudos que apontei nesses textos seriam efetivamente contraposições às conclusões a que eles chegaram. Pura perda de tempo. No final das contas, é sempre a mesma história: apresentações falaciosas de uma multiplicidade de fatores de risco ambientais de câncer de boca, esôfago, laringe e pulmão, elaboradas para distorcer conclusões de pesquisas sobre os efeitos do tabaco que são consenso na comunidade científica.
JUSTIÇA CEGA
Para piorar a situação, no Brasil esse tipo de desinformação tem se fortalecido com decisões judiciais desfavoráveis a vítimas do consumo do cigarro ou a seus familiares em ações contra a indústria do tabaco. Muitas sentenças e acórdãos em tribunais brasileiros têm desprezado o conhecimento científico sobre o assunto. Isso motivou o relatório “Evidências Científicas sobre Tabagismo para Subsídio ao Poder Judiciário”, de 2013, uma iniciativa conjunta da AMB (Associação Médica Brasileira), Inca (Instituto Nacional do Câncer, do Ministério da Saúde) e ACTBr (Aliança de Controlde do Tabagismo).
Além de desconsideram não só o amplo acervo de conclusões científicas sobre os efeitos do cigarro para a saúde, mas também sentenças judiciais em outros países condenando indústrias fumageiras, muitos tribunais brasileiros têm exigido que os autores de ações indenizatórias provem que seus danos à saúde foram consequência do consumo do tabaco.
Em outras palavras, em muitas dessas ações os juízes não têm aplicado a inversão do ônus da prova —prevista no Código de Defesa do Consumidor para casos em que o consumidor é a parte mais vulnerável na relação de consumo—, como tem mostrado a ACTBr com seus relatórios “A indústria do tabaco no Poder Judiciário” (coordenado por Clarissa Menezes Homsi, 2008) e “Ações indenizatórias contra a indústria do tabaco: estudo de casos e jurisprudência” (de Andrea Lazzarini Salazar e Karina Bozola Grou, 2011).
CIÊNCIA DESCARTADA
Voltando à dimensão científica sobre o tabagismo, não há como levar a sério como um verdadeiro contraditório em um debate sério honesto sobre esse assunto as contestações que tenho recebido nos espaços de comentários desses posts. Não só por serem manobras falaciosas geradoras de confusão, mas também por não contestarem diretamente as conclusões da quase totalidade das pesquisas nesse campo.
Além dos estudos e pesquisas já apontados nos meus dois posts aqui mencionados, vale a pena consultar as conclusões do enorme trabalho de revisão bibliográfica do relatório “50 Years of Progress: A Report of the Surgeon General, 2014”, do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos. O trabalho não só faz referência, como também tabula as conclusões de milhares de pesquisas realizadas nas últimas cinco décadas.
IMPACTO NO BRASIL
Aqui no Brasil, entre os estudos sobre os prejuízos do fumo mais recentes, vale destacar “Estimativa da carga do tabagismo no Brasil: mortalidade, morbidade e custos”, publicado no periódico “Cadernos de Saúde Pública” em junho deste ano por Márcia Teixeira Pinto, da Fiocruz, e por Andres Pichon-Riviere e Ariel Bardach, ambos do Instituto para Efetividade Clínica e Sanitária, de Buenos Aires.
Essa pesquisa apontou o tabagismo como causa em 2011 no Brasil de 147.072 mortes, 2,69 milhões de anos de vida perdidos, 157.126 infartos agudos do miocárdio, 75.663 acidentes vasculares cerebrais e 63.753 diagnósticos de câncer, com o custo para o sistema de saúde de R$ 23,37 bilhões.
TRIBUTAÇÃO
Além de esses números não refletirem todo o impacto do tabaco devido ao elevado nível de subnotificações de nosso sistema de saúde, os autores da pesquisa destacam também que a tributação sobre o produto foi de longe ultrapassada pelas despesas geradas por ele:
“Na China, o impacto econômico do tabagismo representou 0,7% do PIB em 2008. Nossos resultados indicam que no Brasil esse impacto correspondeu a 0,5% do PIB em 2011. Também é importante ressaltar que a arrecadação de impostos federais do setor Tabaco em 2011 alcançou R$ 6,3 bilhões, logo o custo total representou quase quatro vezes o montante arrecadado.”
Apesar do crescimento da conscientização nos últimos anos no Brasil sobre esse grave problema de saúde pública que é o tabagismo, ainda há muito a ser feito para desmascarar as falácias fumageiras.