Má notícia para professores universitários, pesquisadores e pós-graduandos brasileiros que andaram publicando nos chamados periódicos predatórios, aquelas revistas acadêmicas que aceitam artigos sem os submeter previamente a uma rigorosa avaliação conforme os padrões tradicionais da comunidade científica, mas também sem deixar de lucrar cobrando taxas de autores.
Nada indica que parece ser a grande limpeza que precisa ser feita. Mas muitas publicações desse tipo começaram a ser rebaixadas e até mesmo eliminadas da classificação que tiveram na avaliação trienal de 2010 a 2012 feita pela Capes (Coodenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), órgão do Ministério da Educação.
A classificação de revistas científicas pela Capes tem oito níveis —A1, A2, B1, B2, B3, B4, B5 e C, em ordem decrescente. Acessível pela base de dados on-line Qualis Periódicos, ela tem sido amplamente usada em processos seletivos para contratações e promoções de docentes e pesquisadores e também em avaliações individuais para concessões de bolsas e auxílios à pesquisa.
PREJUÍZO
Os periódicos predatórios são desprestigiados por cientistas mais conceituados e também por instituições de pesquisa de destaque. O motivo disso é que essas revistas não só facilitam a publicação de trabalhos de baixa qualidade, mas também porque sua má reputação prejudica os bons estudos que elas possam veicular. E pesquisas exigem tempo e investimentos em equipamentos, materiais e salários, que são quase totalmente custeados por recursos públicos no Brasil.
Com a ajuda de alguns pesquisadores, este blog revelou em março deste ano uma primeira relação dessas publicações e a ampliou no mês seguinte (“Sobe para 235 a lista de predatórios da pós-graduação brasileira”).
As novas avaliações, que são relativas a 2013 e 2014, estão acessíveis desde segunda-feira (21.set) em outra base de dados da Capes, a Plataforma Sucupira, que passou a integrar informações de vários programas da agência (ver comunicado da Diretoria de Avaliação).
LIMPEZA COMPLETA
Casos típicos de periódicos predatórios que foram eliminados nas novas avaliações da Capes foram “Transactions on Biology and Biomedicine”, “Transactions on Computers”, “Transactions on Environment and Development” e “Transactions on Power Systems”. Os quatro são publicados pela editora chinesa WSEAS (World Science and Engineering Academy Society), famosa na internet por promover conferências científicas caça-níqueis.
Também não houve chance nas novas avaliações da Capes para o “Trends in Applied Sciences Research”, que havia sido classificado nas áreas de Geociências (B4), Interdisciplinar (B4), Biotecnologia (B5) e Biodiversidade (C). O periódico é editado pela Academic Journals Inc., que tem 57 revistas com códigos ISSN registrados nos EUA e indica endereço nesse mesmo país. No entanto, seu domínio de internet é de Faisalabad, no Paquistão, onde, de fato, estão suas operações editoriais.
DUROS DE MATAR
Mas ainda não dá para comemorar. Apesar de não terem mais registro em algumas da áreas em que foram pontuadas anteriormente, muitas revistas de publishers acadêmicos de má reputação ainda sobrevivem no Qualis Periódicos. Isso acontece pelo simples fato de elas continuarem com algumas classificações, por mais baixas que sejam, em vez de serem definitivamente descartadas.
Embora não tenham sido eliminadas como as quatro revistas da WSEAS apontadas acima, pelo menos foram rebaixadas em suas classificações todas as outras 13 revistas dessa editora que também haviam sido pontuadas na avaliação de 2010-2012 da agência do Ministério da Educação.
É o caso também do “African Journal of Agricultural Research”, publicado pela editora nigeriana Academic Journals (não confundir com a do parágrafo anterior, embora sejam ambas predatórias), que tem 13 revistas classificadas no Qualis. Enquanto isso, na Malásia o Ministério da Educação Superior não reconhece e também não dá apoio para artigos publicados por esse publisher, como já mostrou este blog (“Na ciência, o ruim para a Malásia é bom para o Brasil”, 7.mar).
Esse periódico nigeriano não só deixou de constar com a elevada —e absurda— classificação A2 que havia obtido no grupo Administração, Ciências Contábeis e Turismo, mas também nem sequer foi incluído nessa área nas avaliações de 2013 e 2014. A não inclusão também aconteceu no segmento Interdisciplinar, no qual a revista havia sido classificada como B1, como mostra a tabela a seguir.
VAI LONGE
Além das duas não inclusões acima indicadas, o “African Journal of Agricultural Research” teve também dois rebaixamentos (de B2 para B3 em Biodiversidade, e de B2 para B5 em Engenharias III). Apesar de sua péssima reputação internacional, bastaria manter essas duas classificações para ele permanecer no Qualis como alternativa para professores, pesquisadores e pós-graduandos que não conseguem coisa melhor.
Essa revista também teve estabilização em seis outras áreas e uma única “promoção” (de B4 para B3 em Ciência de Alimentos). Sem falar na inclusão em Arquitetura e Urbanismo (B4), Ciências Ambientais (B2), Ciência da Computação (B5), Economia (B4) e até mesmo nas mais exigentes Ciências Biológicas III (C) e Química (C) , que pelo menos aplicaram a classificação mais baixa, mas ainda assim permitem espaço para artigos que merecidamente podem ser considerados lixo acadêmico.
Houve também desclassificações e rebaixamentos de outros periódicos “famosos” que pretendo comentar nos próximos dias. Ainda é cedo para saber se eles serão excluídos na próxima avaliação, que será quadrienal (2013-2016).
LIXO ACADÊMICO
Concluída em 2013, a avaliação trienal de 2010-2012 do Qualis Periódicos envolveu cerca de 2 mil especialistas, distribuídos por 48 comitês assessores da Capes, cada um deles com um coordenador e dois coordenadores adjuntos —eleitos por comissões de pós-graduação de todo o país—, com o apoio de, em média, 20 consultores.
Apesar de não ser ainda a limpeza que precisa ser feita e de a avaliação quadrienal 2013-2016 ainda estar em curso, as informações parciais de 2013 e 2014 indicam que a divulgação sobre o chamado “lixo acadêmico” começou a fazer efeito.
O que importa é que agora, com a atualização do Qualis na Plataforma Sucupira, será possível para a comunidade acadêmica monitorar o processo antes da conclusão da avaliação quadrienal. E, quem sabe, teremos melhores condições para compreendermos se esse tipo de avaliação de periódicos realmente funciona.