Na manhã desta segunda-feira (28.set), o Ministério Público do Estado de São Paulo ainda não registrava recebimento de resposta da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) ao questionamento sobre recursos públicos gastos e outros aspectos sobre um evento realizado em seu próprio campus em parceria com uma editora chinesa acusada de transgredir padrões éticos acadêmicos.
O atraso adiamento* ocorreu mesmo depois de a reitoria da universidade ter pedido à Promotoria do Patrimônio Público de Campinas prorrogação para 1º de setembro do prazo de 30 dias para responder ao questionamento que recebera em 14 de julho, enviado pela promotora de Justiça Cristiane Hillal. No início deste mês, a Unicamp pediu nova prorrogação, e a promotora concordou, estendendo o prazo até 4 de outubro.
As circunstâncias relacionadas à 3ª ICCEA (Conferência Internacional de Engenharia Civil e Arquitetura) foram noticiadas em minha reportagem “Cientistas ‘turbinam’ trabalhos apresentados em evento da Unicamp” (19.mar), na Folha, e comentadas pelo jornal em seu editorial “Ciência em revista” (23.mar).
FORA DO PADRÃO
Realizada nos dia 30 de julho a 1º de agosto de 2014 no campus da Unicamp, a 3ª ICEEA foi organizada pela Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo em parceria com a IACSIT (International Academy of Computer Science and Technology Information).
Em vez de serem reunidos em anais de congresso —como exigem as normas acadêmicas e de editoração científica—, os trabalhos apresentados na 3ª ICCEA (Conferência Internacional de Engenharia Civil e Arquitetura) foram publicados como artigos de um periódico da IACSIT, o “International Journal of Engineering and Technology”.
Graças a esse procedimento, pelo menos 30 participantes da conferência puderam registrar seus trabalhos apresentados no evento na classificação de “artigos completos publicados em periódicos” em seus currículos da plataforma eletrônica Lattes. Nas avaliações para concursos, promoções, bolsas e auxílios a projetos de pesquisa, os estudos aceitos por revistas científicas contam mais que os apresentados em congressos.
INDIFERENÇA
É muito estranho todo esse atraso estranha toda essa demora* da Unicamp para responder o questionamento que recebeu há mais de dois meses. Mais estranha ainda foi a notória falta de curiosidade por parte do seu Conselho Universitário —formado por 75 membros titulares—, durante a nebulosa tentativa de explicação sobre a parceria com a IACSIT, apresentada pela Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo, em reunião em 31 de março.
Nenhum membro do Conselho Universitário perguntou quanto a Unicamp gastou com a 3ª ICCEA e por que a universidade não divulga essa informação. Nenhum deles questionou por que os trabalhos apresentados a essa conferência não foram reunidos em anais de congresso e acabaram sendo publicados como papers de periódicos, e sem nenhuma menção ao evento.
BAIXA QUALIDADE
Também é muito estranho que nenhum integrante do colegiado máximo da Unicamp tenha questionado por que a faculdade aceitou ser parceira de um publisher cujo periódico nem sequer constava como classificado nas áreas de engenharia civil e arquitetura na plataforma Qualis Periódicos da Capes (Coodenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), órgão do Ministério da Educação.
Somente há poucos dias, com a disponibilização da Plataforma Sucupira, da Capes, as avaliações preliminares para o quatriênio 2013-2016 estão disponíveis. E nela não é nada boa a classificação que teve o “International Journal of Engineering and Technology” em Arquitetura e em Engenharias I, que abrange engenharia civil: B5, a sétima em ordem decrescente em uma escala de oito níveis de qualidade.
Aliás, já faz mais de seis meses que esse periódico está sem editor-chefe, que foi demitido pela IACSIT após questionamentos deste blog (“Apertem os cintos, o editor sumiu!”, 21.mar).
NADA A DECLARAR
Questionada por este blog desde a semana passada (quarta-feira, 23.set), a Unicamp não se manifestou sobre o atraso na resposta à promotoria. Também não esclareceu nada sobre o fato de a universidade ter sido a única no mundo até hoje a atuar como parceira da IACSIT na organização das conferências ICCEA, como já comentei no post “Promotoria questiona Unicamp por evento com editora ‘predatória'” (15.ago).
Na ata dessa reunião do 31 de março do Conselho Universitário da Unicamp, consta que os 75 conselheiros receberiam da Secretaria Geral a documentação sobre “esse assunto levantado pela Folha”. Amanhã (terça-feira, 29.set), o colegiado tem nova sessão ordinária. Quem sabe teremos esclarecimentos?
Correção: Contactada por este blog desde a semana passada e também na manhã desta segunda-feira (23.set), a assessoria de imprensa do Ministério Público do Estado de São Paulo, após o post acima ter sido publicado, obteve nesta tarde a informação de que a Unicamp havia solicitado novo adiamento. Com isso, o título original do post (“Unicamp atrasa resposta ao MP sobre parceria com editora chinesa”) foi alterado, substituindo o termo “atrasa” por “adia”, e no texto foram acrescentadas informações destacadas com verde sublinhado, destacando em vermelho tachado os trechos suprimidos.