O caso Rodas e o silêncio corporativista da USP

Por Maurício Tuffani
 João Grandino Rodas, ex-reitor da USP (2009-2013), que responde a processo administrativo por medidas que causaram "lesão aos cofres públicos" e desequilíbrio financeiro da universidade. Cris Komesu - 4.jan.2011/Folhapress
João Grandino Rodas, ex-reitor da USP (2009-2013), que responde a processo administrativo por medidas que causaram “lesão aos cofres públicos” e desequilíbrio financeiro da universidade. Imagem: Cris Komesu – 4.jan.2011/Folhapress

O processo administrativo para cassação de aposentadoria, instaurado pela USP contra o ex-reitor João Grandino Rodas (2009-2013), é apenas mais um caso escabroso que só se torna público após um longo silêncio de muitos funcionários que sabiam de tudo, mas se omitiram, apesar de serem protegidos pela estabilidade funcional.

Lamentavelmente, para dezenas de diretores de faculdades, professores e servidores técnicos e administrativos da universidade, os fatos que levaram a essa situação não eram novidade. Nem mesmo  antes de o atual reitor, Marco Antonio Zago, tomar as primeiras providências no ano passado em relação a seu antecessor, quando acabaram chegando ao conhecimento da imprensa.

A instauração do processo administrativo disciplinar contra o ex-reitor foi sugerida por uma comissão de sindicância, como informaram os jornalistas Fábio Takahashi e Juliana Gragnani na reportagem “USP quer cassar aposentadoria de ex-reitor por ‘lesão aos cofres públicos'” (16.out).

A sindicância concluiu que Rodas, logo no início de 2010 —seu mandato começou em dezembro de 2009—, teria desconsiderado recomendações técnicas da administração da USP e também o próprio do Conselho Universitário ao adotar medidas que aumentaram despesas permanentes da instituição.

EVITAR GREVES

Ficou evidente desde o início da gestão do então reitor seu objetivo de evitar greves com essas medidas, como já havia informado este blog no ano passado (“A crise da USP e a autonomia universitária”, 26.mai.2015).

Em maio de 2010, ao ser anunciado o aumento de 17,5% do benefício para alimentação, superior ao índice de 15,85% do DIEESE para cesta básica, Magno Carvalho, diretor do Sintusp (Sindicato dos Trabalhadores da USP), em entrevista ao “Jornal do Campus”, declarou:

“O reitor está subestimando o movimento e tentando comprar a nossa greve. Estava decidido que não haveria discussão sobre as pautas específicas antes da negociação da pauta unificada, que é a isonomia salarial.”

No final das contas, a greve aconteceu naquele mesmo ano, apesar dessas medidas do então reitor da USP.

OMISSÃO E SILÊNCIO

Esse silêncio corporativista não é exclusivo da USP. Na verdade, ele atinge praticamente todo o funcionalismo público brasileiro. No entanto, no caso dessa universidade e de suas irmãs Unicamp e  Unesp, tal atitude assume características mais graves.

USP, Unicamp e Unesp respondem pelo gasto de 9,57% da receita da arrecadação líquida do ICMS pelo Estado de São Paulo. Desde 1989, as três instituições são as únicas universidades do Brasil a desfrutarem efetivamente da autonomia de gestão orçamentária, financeira, administrativa e patrimonial prevista na Constituição Federal.

Apesar da combinação dessa verdadeira autonomia —que tem protegido as três universidades de muitas ingerências políticas— com a estabilidade funcional da quase totalidade de seus quadros, raros têm sido os docentes e outros servidores que ousam se pronunciar publicamente e com transparência sobre os grandes problemas que suas instituições enfrentam.

Qualquer que seja o desfecho do processo sobre o ex-reitor, a continuidade dessa atitude de silêncio corporativista ameaça a imagem de seriedade e eficiência do tão enaltecido modelo paulista de autonomia universitária.