Após ter se alastrado para rios das regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste, chegou ao Nordeste uma espécie invasora de molusco, originária da China e do Sudeste Asiático. Depois dos primeiros alertas em junho deste ano, a presença do mexilhão-dourado foi confirmada em outubro na Bahia, no reservatório de Sobradinho do rio São Francisco, por pesquisadores do CBEI (Centro de Bioengenharia de Espécies Invasoras) e da Cemig (Companhia Energética de Minas Gerais).
A presença do molusco invasor também havia sido detectada em junho por uma vistoria do Ibama (Instituto de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis) em Sobradinho, mas até agora o órgão federal não havia divulgado a informação.
Em seu boletim de alerta do dia 10, o CBEI informou que seus pesquisadores também coletaram larvas e adultos de mexilhões-dourados na entrada do eixo norte do canal de transposição do rio São Francisco
O mexilhão-dourado (nome científico Limnoperna fortunei) foi detectado pela primeira vez na América do Sul na foz do rio da Prata, na Argentina. E proliferou com muito mais facilidade neste continente, onde não existem os parasitas e predadores de seu ambiente original, na bacia do rio Yang-tsé, que regulam a expansão da população desse molusco.
IMPACTOS
Além de ameaçar populações de outras espécies, prejudicando o equilíbrio da fauna e da flora aquáticas devido à sua vantagem competitiva no ambiente sul-americano, o alastramento do mexilhão-dourado também prejudica instalações de sistemas de captação de água e de geração de energia hidrelétrica.
É o que explicam, em versão preliminar de artigo a ser publicado no início de 2016 na revista “Scientific American Brasil”, os pesquisadores Arthur Corrêa de Almeida, Newton Pimentel de Ulhôa Barbosa, Fabiano Alcísio e Silva, Jacqueline A. Ferreira, Marcela D. Carvalho e Antônio Valadão Cardoso, coordenador da equipe, que confirmou a presença do mexilhão-dourado em Sobradinho.
Segue um trecho desse estudo inédito.
“Após o seu estabelecimento, as minúsculas larvas do mexilhão-dourado se dispersam rapidamente pela água. Sua invasão é ainda potencializada por atividades humanas, como a pesca e o transporte fluvial, que transportam ativamente essas larvas e também as colônias incrustantes de mexilhões adultos. Além disso, algumas espécies de peixes nativos já incluíram o mexilhão-dourado em suas dietas, intensificando ainda mais a dispersão do invasor. Já existem, por exemplo, relatos de indivíduos de mexilhão-dourado consumidos e excretados vivos em fezes de peixes, como o abotoado (Pterodoras granulosos), na bacia do rio Paraná. Por estes e outros motivos, as populações de mexilhão-dourado se dispersaram a uma velocidade de aproximadamente 240 quilômetros anuais continente adentro, apenas entre os anos de 1991 e 1998, até chegar ao Brasil.”
Esses impactos poderão ser também potencializados por meio da transposição do rio São Francisco, afirmam os pesquisadores.
“A presença destes organismos nestas localidades é grave, pois afetará a captação de água pelas comunidades adjacentes, agravando o que já é grave: a falta de água. Desta forma, é extremamente urgente que estas localidades comecem a ser monitoradas desde já.”
SALTO
A explicação mais aceita sobre a invasão do molusco asiático na América do Sul nos anos 1990 é a do seu transporte na água de lastro de navios mercantes, que é despejada no enquanto as embarcações são carregadas em portos. A expansão do invasor já havia alcançado o sul de Mato Grosso do Sul e a região de fronteira entre os estados de São Paulo e Minas Gerais.
Ainda não há uma explicação segura sobre como aconteceu o “salto” dessas regiões para o local onde o rio São Francisco curva para leste, rumo ao oceano Atlântico, após seguir em direção para o norte. Uma hipótese é o transporte de alevinos (filhotes de peixes, na fase imediatamente posterior à pós-larval) para piscicultura, explicam os pesquisadores.
“Na fase larval, o mexilhão é microscópico e, por isso, mesmo uma água cristalina pode conter larvas que permitam a invasão pelo bivalve. Assim, as larvas de mexilhões podem pegar carona na água utilizada para o transporte de alevinos. Por isso, é de suma importância que as empresas responsáveis por estas atividades estejam bem informadas e adotem medidas de biossegurança que garantam a ausência de espécies invasoras nas águas que transportam alevinos. Além disso, é essencial que os órgãos de fiscalização atuem de forma a garantir que a origem dos alevinos para estas atividades sejam de áreas livres, não infestadas pelo mexilhão-dourado.”
OMISSÕES
O Ibama informou que em junho deste ano, em visita ao lago de Sobradinho, detectou a presença do mexilhão-dourado e que nenhuma divulgação sobre esse fato havia sido feita pelo órgão. Em nota em resposta a este blog, o órgão afirmou:
“Uma vez detectada a presença da espécie no rio, não existem medidas conhecidas para evitar que se alastre rio abaixo uma vez que esse deslocamento se dará com a correnteza e quaisquer recomendações para postergar a dispersão da espécie rio acima dependem de integração da atuação de instituições responsáveis pelo controle do tráfico (fluvial, rodoviário), pela pesca amadora, pela aquicultura, entre outros. Para integrar todos esses atores, é necessário que o MMA [Ministério do Meio Ambiente] conduza os debates, sendo o Ibama não mais que o executor das políticas daquele ministério. No momento, nem sequer existem recursos no Ibama destinados ao controle de espécies exóticas invasoras.”
O Ibama é subordinado ao MMA. Procurado por e-mail por este blog desde a semana passada (quarta-feira, 18.nov), o ministério não respondeu a perguntas sobre as afirmações do instituto e se tem planos para combater a invasão do mexilhão-dourado.
AÇÕES
Em reunião em setembro, o Comitê Técnico para Assessoramento de Agrotóxicos, formado pelo Ibama, Anvisa (Agencia Nacional de Vigilância Sanitária) e Ministério da Agricultura e Pecuária e Abastecimento, aprovou o uso emergencial dos moluscicidas ácido dicloroisocianúrico e MXD para controle do mexilhão-dourado. Entre as recomendações e medidas de segurança estabelecidas, o comitê definiu também a necessidade de autorização complementar dos órgãos de meio ambiente locais.
Em 2012, em São Paulo o Ministério Público Federal ingressou com ações civis públicas para órgãos governamentais adotarem medidas para conter a expansão do mexilhão-dourado nas usinas hidrelétricas de Ilha Solteira e Água Vermelha.
PLANO DE AÇÃO
No TRF-3, a relatora do caso, desembargadora federal Consuelo Yoshida, reuniu representantes do Ibama, dos ministérios do Meio Ambiente, da Defesa e da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, e da Cesp (Companhia Energética de São Paulo) e convidou outras instituições públicas e privadas para formar o grupo de trabalho com o objetivo combater o molusco na Bacia do Rio Paraná e evitar sua dispersão.
Após 10 audiências públicas e 12 reuniões, o grupo apresentou um plano de ação com um cronograma de providências a serem implantadas até 2017, que foi homologado em 23 de setembro deste ano pelo TRF-3, segundo nota da assessoria de imprensa do tribunal.
DEBATE
Na próxima quarta-feira (25), será realizado em Belo Horizonte o fórum de discussão “Impactos ambientais e econômicos de espécies invasoras: o avanço do mexilhão-dourado”, organizado pelo CBEI com apoio dos governos federal e de Minas Gerais, Cemig, Agência Nacional de Energia Elétrica e Sesi/Fiemge.
O evento prevê palestras técnicas, paineis empresariais e debate sobre o tema das espécies invasoras, concentrando-se nas estratégias de detecção, controle e combate.
Para saber mais:
- FAQ – Perguntas Frequentes (CBEI)
- Boletim de Alerta (CBEI)
- Mexilhão-dourado (Ibama)
- Genoma do mexilhão-dourado (UFRJ)