O ‘fim da crise hídrica’ e a pirotecnia de Alckmin

Por Maurício Tuffani
O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, na Associação Comercial de São Paulo, onde fala sobre a situação do abastecimento de água. Imagem: Eduardo Saraiva/A2IMG/Divulgação
O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, na sede da Associação Comercial de São Paulo, onde comentou a situação do abastecimento de água na Região Metropolitana. Imagem: Eduardo Saraiva/A2IMG/Divulgação

Apesar da crescente elevação dos níveis dos reservatórios que abastecem a Grande São Paulo, o governo Geraldo Alckmin tentou em fevereiro acabar de vez com a frequente menção ao volume morto do sistema Cantareira e incorporar definitivamente essa reserva à capacidade convencional desse conjunto de reservatórios. Mas não conseguiu com a ANA (Agência Nacional de Águas) transformar o “limite de cheque especial” em saldo positivo. E, para não ter de admitir o fracasso, agiu como se tivesse “decretado” o fim da crise hídrica.

O projeto de anexação da reserva emergencial do Cantareira foi anunciado por Jerson Kelman, presidente da Sabesp, a estatal paulista de abastecimento de água, em entrevista ao jornal “O Estado de S. Paulo” em fevereiro. A ideia foi contestada nos dias seguintes pelo Ministério Público estadual. E essas críticas, mostradas em reportagem do mesmo jornal, não vieram só do Gaema (Grupo de Atuação Especial em Meio Ambiente) da Região Metropolitana de São Paulo, mas também do Gaema da região de Piracicaba.

Por que uma promotoria “tão longe” de São Paulo também criticou a intenção do Executivo paulista? Por uma razão simples. Dar à reserva emergencial de água do sistema Cantareira o status de recurso hídrico disponível sem maiores complicações não significa apenas minimizar todos os impactos ambientais, sociais e econômicos diretos na região desse conjunto de reservatórios cuja face mais visível foram as desoladoras imagens mostradas pela imprensa.

Acontece que transformar esse “limite de cheque especial” em saldo positivo exclusivo para a Grande São Paulo significa também minimizar todos esses impactos para o restante da bacia do PCJ (rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí). O sistema Cantareira integra essa bacia grande bacia hidrográfica, cuja área abrange 76 municípios, entre eles Campinas, Limeira, Piracicaba, Jundiaí, Bragança Paulista e os de suas regiões, inclusive do sul de Minas Gerais.

No início da tarde de ontem (segunda-feira, 7.mar), ao ser questionado por repórteres, o governador já sabia que ao DAEE (Departamento de Águas e Energia Elétrica do Estado de São Paulo) não restou outra alternativa senão entrar em sintonia com a ANA e assinar com a agência federal uma resolução conjunta que foi publicada hoje, revogando a autorização de julho de 2014 para usar o volume morto do Cantareira.

Para evitar que a notícia amplamente divulgada hoje fosse algo do tipo “São Paulo não pode mais usar o volume morto do Cantareira”, Alckmin fez antes o seu show midiático dizendo que a crise hídrica acabou, complementado pelo envio de detalhes em releases para a imprensa no início da noite.* Em contraponto a essa conversa fiada, cidadãos como o aposentado Manoel Palermo, morador da zona norte de São Paulo, estavam sem água em suas casas desde o dia anterior, como mostrou a Folha com a reportagem “Alckmin diz que crise de água acabou; vítimas de racionamento contestam”.

Já que não precisa mais do volume morto, quem sabe a Sabesp acaba de uma vez com a divulgação dos índices diários de armazenamento do Cantareira que incluem esse “limite de cheque especial”.

* O trecho em verde foi acrescentado às 14h40.