Apesar de não ter mais autorização desde ontem (terça-feira, 8.mar) para continuar usando o chamado volume morto do sistema Cantareira, a Sabesp, empresa de abastecimento do governo estadual de São Paulo, continua contando com essa reserva emergencial no cálculo dos níveis de armazenamento de água desse conjunto de reservatórios.
A Sabesp divulgava os percentuais de armazenamento desse sistema apenas com base em seu volume útil até 15 de maio de 2014, quando foram inauguradas as instalações de bombeamento abaixo dos níveis autorizados conjuntamente pela ANA (Agência Nacional de Águas) e pelo DAEE (Departamento de Águas e Energia Elétrica do Estado de São Paulo).
O nível de armazenamento nesse dia era de 8,2% considerando apenas o volume útil. Ele se manteve no dia seguinte, quando foi anunciado como sendo de 26,7%. Esse novo indicador se baseou em uma aberração aritmética, uma vez que na fração de cálculo do percentual a cota de 185 bilhões de litros do volume morto passou a ser considerada no numerador, mas sem ser acrescentada aos 982 bilhões de litros do volume útil no denominador.
O mesmo procedimento foi mantido a partir de 24 de outubro de 2014, quando passou a ser computada também a segunda cota do volume morto, de 105 bilhões de litros .
DESVARIO MATEMÁTICO
Matematicamente, esse desvario que vem sendo diariamente perpetrado pela Sabesp há quase dois anos equivale a despejar a água de um balde em um outro, de capacidade maior, e afirmar que o percentual de volume de líquido no segundo recipiente é igual ao percentual da quantidade que havia no primeiro.
Outro aspecto ridículo desse procedimento tresloucado de cálculo da estatal paulista é que se ele for mantido até um dia em que o sistema Cantareira atinja seu nível total de armazenamento, o percentual para essa situação será de 129,3%, correspondente a 1,27 trilhão de litros em relação ao volume útil de 982 bilhões de litros.
Deixando de lado esses desatinos, o pior é não informar corretamente a população sobre o nível de armazenamento disponível para abastecimento. Ainda mais devido ao fato de que a crise não acabou, apesar da insólita declaração feita anteontem pelo governador Geraldo Alckmin, turbinada no início da noite por comunicados enviados pelo Palácio dos Bandeirantes para toda a imprensa (leia neste blog “O ‘fim da crise hídrica’ e a pirotecnia de Alckmin”).
SALDO NEGATIVO
Por essa e outras razões, em fevereiro do ano passado o promotor de Justiça Ricardo Castro Júnior, do Gaema (Grupo de Atuação Especial de Defesa do Meio Ambiente) do Ministério Público do Estado de São Paulo, questionou a Sabesp. Em resposta, em vez de passar a considerar somente o volume útil, a companhia passou a divulgar também, a partir do dia 16 do mês seguinte, um outro indicador, considerando no denominador da da fração de cálculo o acréscimo com o volume morto.
Apesar de esse segundo modo de cálculo não envolver as distorções aritméticas do anterior, ele tem o inconveniente de não ser didático para a população geral, além de não deixar claro o nível do comprometimento do sistema pelo uso do volume morto. É o que antes disso já havia explicado o engenheiro hidráulico Antonio Carlos Zuffo, professor da Unicamp, em entrevista para este blog:
“Essa forma que está sendo empregada para informar à sociedade o armazenamento do Cantareira equivale a um extrato bancário que não mostra o saldo devedor de uma conta corrente que está negativa no cheque especial.”
(“Índices do Cantareira desinformam população, dizem pesquisadores”, 25.fev.)
Desse modo, o promotor entrou na Justiça com uma ação civil pública. Em 16 de abril de 2015, o juiz Evandro Carlos de Oliveira, da 7ª Vara da Fazenda Pública do Estado, deu sentença favorável à ação, obrigando a Sabesp a incluir diariamente em sua divulgação indicadores de armazenamento do sistema Cantareira calculados somente com base no volume útil, o que acabou gerando percentuais negativos.
Questionada ontem por este blog por e-mail, a estatal paulista afirmou por telefonema que ainda não tem uma posição sobre o assunto. Enquanto isso, seu site “Situação dos Mananciais” continua diariamente alheio a qualquer esforço didático de informação, apresentando gráficos como o seguinte.