
Sugiro um décimo-primeiro mandamento para certos seguidores de religiões monoteístas: “Não tomarás o nome de Albert Einstein em vão”. O físico alemão que formulou a teoria da relatividade tem sido frequente e falsamente apontado como crente em Deus. Lamentavelmente, em alguns casos até mesmo para mostrar suas ideias como compatíveis com a dos criacionistas, que negam a teoria da evolução dos seres vivos pela seleção natural.
Estava demorando para essa desinformação surgir na recente polêmica sobre a religiosidade de Marina Silva, candidata do PSB à Presidência da República. O problema é que desta vez a confusão não veio de um pregador religioso, mas do economista e cientista social Eduardo Giannetti, colunista da Folha. Ele apontou erroneamente Einstein como teísta no texto “Ciência e fé” (5.set), como destacou o físico Rogério Cezar Cerqueira Leite na edição desta terça-feira (9.set) do mesmo jornal, entre outras considerações de seu artigo “Desvendando as milícias marinistas”.
Não tratarei aqui das demais questões abordadas nesses dois artigos. Eu nem me preocuparia com o erro de Giannetti, mas decidi cometer este post porque alguns criacionistas já estão postando bobagens na internet requentadas por essa interpretação enganadora do pensamento de Einstein (1879-1955).
Antídotos
Nada melhor que as próprias palavras do célebre cientista alemão para contestar esse equívoco. Podem não adiantar nada para desfazer distorções nas mentes dos que optaram por se abster de provas e verificações, mas servem como medida profilática para os que ainda não se deixaram contaminar. Recentemente se tornou famosa a carta escrita por ele em janeiro de 1954 ao pensador judeu Erik Gutkind, arrematada em um leilão em outubro de 2012 por U$3 milhões, na qual ele afirmou:
“A palavra Deus é, para mim, nada mais do que a expressão e o produto das fraquezas humanas, e a Bíblia uma coleção de lendas honradas, ainda que primitivas, e que de qualquer maneira são bastante infantis. Nenhuma interpretação, por mais sutil que seja, é capaz de (para mim) mudar isso.”
Outros antídotos contra a falsa ideia do teísmo desse cientista estão em uma página do site dedicado ao paleontólogo norte-americano Stephen Jay Gould (1941-2002). É dela que copio a seguir a manifestação de Einstein que considero ser uma das mais claras sobre o que ele afirmava ser sua religiosidade.
“Eu nunca imputei à natureza um propósito ou um objetivo, ou qualquer coisa que poderia ser entendida como antropomórfica. O que vejo na natureza é uma estrutura magnífica que podemos compreender apenas imperfeitamente, e que deve preencher uma pessoa racional com um sentimento de humildade. Este é um sentimento genuinamente religioso que nada tem a ver com misticismo.” (Carta de 1954/1955, citada em “Albert Einstein: The Human Side”, de Helen Dukas e Banesh Hoffman, Princeton University Press, 1981, p.39)
Freud explica
Na verdade, trata-se de uma religiosidade no sentido de religação com o mundo. Sigmund Freud (1856-1939) já havia comentado algo semelhante em seu livro “O Mal-estar na Civilização”, de 1929, logo no primeiro capítulo, ao mencionar a carta de um leitor que descrevera a religiosidade como um sentimento de eternidade, “oceânico”, que uma pessoa pode ter, embora rejeite qualquer crença (“Obras Completas”, Editorial Biblioteca Nueva, Madrid, 1945, volume 3, pág. 3017).
Freud concordou com o leitor, concluindo que esse sentimento é independente da religião, cuja origem ele aborda nesse livro, destacando, entre outros aspectos, que
“A vida, tal como nos foi imposta, é pesada demais para nós. Ela nos traz muitos sofrimentos, decepções e tarefas impossíveis. Para suportá-la, não podemos dispensar paliativos.” (pág. 3024)
Embora eu não seja religioso, não creio que a origem da religião seja somente essa, de caráter negativo. Mas essa necessidade de paliativos tem sido realmente usada e abusada por parte de oportunistas, inclusive na guerra de ideias que assola a opinião pública.